domingo, 29 de novembro de 2009

Medicina natural

Os conhecimentos empíricos medicinais dos camaches e dos guenguelas, no Kuando-Kubango, longe do contacto com a chamada civilização ocidental, eram espantosos. Viver durante 18 meses, no meio de uma população a quem a natureza e a sabedoria popular ensinara a tratar das suas mazelas com os produtos que a mãe natureza lhe punha no caminho, foi uma experiência inesquecível.
Um dia, estupidamente, ao pretender retirar a tampa, para compensar a água a que tinha sido expelida do radiador de uma BERLIET - com o motor sobreaquecido pela carga de dezenas de populares e de um hipopótamo morto nas lavras da N'riquinha Velha - esta saltou e levei um banho de água a ferver.
De imediato, um negro, elemento do Grupo de GE´s adstritos á Companhia e que acompanhava o seu Comandante, Fulai Monjuto, sem nada lhe ter pedido e sem procurar obter a minha autorização, sequer, veio junto de mim com o copo de alumínio que acompanhava o cantil, cheio de água e sal, muito sal, e aspergiu-a, várias vezes, na zona queimada. As dores não atenuaram, mas, segundo o Dr. Lacerda, o que ele fez foi desinfectar as queimadelas com uma espécie de soro de nitrato de sódio, o que evitou uma possível infecção e muitas complicações na demorada cura.
Um dia, estando com uma brutal dor de dentes, o Vicente (um miúdo que ajudava na oficina de mecânica) disse-me que uma velha no kimbo tinha cura para isso. Lá me foi indicar quem era e, depois de amassar umas pequenas sementes - parecidas com as de massango, um cereal tipo milho paínço- com os dentes, fez uma bola e, com um pauzito apanhado do chão, empurrou aquela massa escura pelo buraco do dente. Dois minutos depois as dores passaram e o dente acabou por desfazer-se ao longo dos anos sem que tivesse mais qualquer dor.
De outra vez, um ajudante, que o padeiro arranjara (de forma a tornar o seu trabalho menos duro e pago com alguns pães, diariamente) partiu um braço numa sortida à mata para recolher a lenha para o forno.
O Dr. Lacerda, lá lhe colocou umas talas e um pouco de gesso, o que o encheu de vaidade pela atenção que angariou no kimbo. No entanto, pouco tempo depois, encontrei-o junto à oficina a cortar lenha com um machado, como se nada lhe tivesse acontecido: ao fim de alguns dias com o gesso no braço, chegara à conclusão que era tempo a mais e, o feiticeiro/sábio/boticário/médico da aldeia, colocara-lhe no braço umas folhas que derramavam uma substância pastosa depois de aquecidas e que, rapidamente, lhe "colaram" os ossos.

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