terça-feira, 17 de novembro de 2009

A Cerimónia

As fotografias que se seguem, são uma pequena parte de uma série que diz respeito a uma cerimónia levada a cabo na N'Riquinha, para afugentar a doença do corpo de uma paciente.
Ao aproximar-me, para fotografar o que eu pensava ser uma festa indígena, já que o batuque, ao invés do normal, começara pela manhã, fui avisado pelo João Cassumbi e pelo Vicente - dois miúdos negros curiosos da mecânica automóvel e condutores para os pequenos serviços dentro da Companhia - que não me era permitido assistir à cerimónia. Portanto, armei-me com uma Vivitar de 200 mm e, com a minha velhinha Cannon F1, lá fui, de longe e circulando de palhota em palhota, fotografando a cena.
Basicamente, o embalo ritmado e hipnótico do batuque e os movimentos simples da dança repetidos milhares de vezes, colocaram a paciente em êxtase e, depois de morta uma galinha, foi aspergida com o sangue da ave e esfregada com sal grosso. As duas curandeiras de serviço, ora se sentavam no meio de um vasto grupo feminino que entoava uma canção de sons baixos e roucos, ora se levantavam e rodeando a doente, repetiam uma lengalenga monocórdica, abanando uns guizos, feitos com uma lata de salsichas cheia de pedrinhas, ao mesmo tempo que lhes percorriam com as mãos, o corpo de cima a baixo. Os mais novos assistiam calados, observadores e com um ar respeitoso.
A cerimónia durou horas e, no final, quase todos os intervenientes estavam possuídos pelo ritmo dos tambores.
Terminou quando, exausta, caiu sem sentidos no chão.











2 comentários:

Egidio Cardoso disse...

É curioso! Tenho uma vaga recordação desta cerimónia. Lembro-me perfeitamente da mulher.
Nestas, o batuque decorria durante o dia e os tocadores dos tambores revezavam-se.
As festivas eram sempre durante a noite e careciam de autorização prévia do capitão que anuia sempre, não obastante o incomodativo tum tum tum que nos importunava o sono.

Pedro Cabrita disse...

Excelente reportagem esta do Gabriel.

O interessante desta descrição é que as gentes do kimbo podiam recorrer ao nosso "curandeiro" (dr. Lacerda), mas algumas acreditavam mais nas tradições ancestrais e então, de vez em quando, lá tínhamos sessões de batuque que apenas se revelavam com alguma piada aos primeiros "acordes". Depois passavam a um ramerrão menos agradável, terminando sempre um autênticas batucadas dentro das nossas cabeças, especialmente quando eram à noite.
Tendo em conta a diminuta evolução daquela gente, por via do seu isolamento, é curioso notar que ainda hoje, aqui, e nos nossos dias, ainda há quem proceda de igual modo, pondo de lado a evolução da medicina, recorrendo a curandeiros que, tirando o batuque, utilizam métodos muito semelhantes.

Recordando os batuques, se bem se lembram, os mais complicados eram aqueles que celebravam (era mesmo uma celebração) a morte de alguém. Não sei se se recordam, mas quanto maior a importância do morto, mais prolongado e intenso era o batuque.
Um dia morreu uma mulher já com idade muito avançada e que tinha uma importância elevada no aldeamento. Esta importância elevada só poderia ser por via de laços familiares (provavelmente familiar próximo do Soba, ou algum seculo) tendo em conta que as mulheres ali eram pouco mais que instrumentos de trabalho, procriação e moeda de troca.
Isto aconteceu logo nos primeiros tempos, quando nós ainda não tínhamos conhecimento dos hábitos daquela gente. No caso, o batuque estava programado para 3 dias e 3 noites, ininterruptamente...
Ao segundo dia lá tive que chamar algumas entidades oficiais e negociar uma trégua que, se não estou em erro, ia da meia-noite ao içar da bandeira. A negociação teve êxito e os mortos não levantaram nenhuma questão... Acho eu.
Tenho uma breve passagem desse episódio que vou rever para avaliar se tem algum interesse passar para aqui.

Mais uma vez, parabéns por mais esta rememoração.

É o que eu digo.
Vocês querem dar cabo de mim.
A excelência das fotos tem sido um veículo extraordinário de revisitação de algo que permanecerá em mim como um marco de extraordinária contundência na minha vida.
Eu sei; vocês nunca o irão compreender. O "Capitães do Vento" pode ter dado uma ajuda. Mas não disse tudo...

Abraço

P. Cabrita