terça-feira, 10 de junho de 2008

Fala de Capitão...

Tinha 23 anos quando me apresentei em Évora para formar a Companhia de Caçadores 3441.
Chegado a meio da tarde, estacionei o meu Datsun 1200 verde alface à porta do RI-16, cumprimentei a sentinela e entrei pelo gabinete do oficial de dia adentro. Após as burocracias do costume, acompanhou-me ao primeiro andar. Pelo caminho foi-me prevenindo da extrema rigidez do Comandante do Regimento quanto ao atavio. Fiz-me uma leitura e algumas correcções. A última, instintiva, foi passar com os dedos pelos sobrolhos, procurando alinhar os pelos.
Depois de anunciado, fui presente ao Comandante do Regimento para a apresentação protocolar.
Depois de uma tremenda palada e um sonoro bater de calcanhares (havia sido prevenido que o nosso Comandante gostava das coisas assim...), proferi um firme "Apresenta-se o Tenente Miliciano nº 13376769, colocado nesta unidade" e levei a primeira "piçada" militar, ainda não tinha dado mais de dois passos no interior do gabinete: tinha um botão quase a desabotoar-se...
Prometi que não voltaria a acontecer.
Olhou-me com inusitada curiosidade. Fechou o rosto numa impenetrável máscara militar. Percorreu-me de alto a baixo. Parou na minha cara de menino, acentuada pelo escanhoado perfurante até à raíz dos pelos. Respirou fundo, recostou-se resignado (pareceu-me..) e fez um curto silêncio.
Fiquei um tanto perplexo cogitando para mim próprio: será que falhei nalgum elemento protocolar? Bem, não devo ter que me ajoelhar... Ou será que não estou à distância e ângulo certos relativo ao Cmdt, conforme por certo deverá estar prescrito nas NEP's?
Num salto, seguido de postura militarizada um pouco diferente da habitual (punhos cerrados e braços estendidos e meio arqueados para trás), colocou-se em pé e deixou sair em tom firme: está apresentado.
Mantive-me em sentido, claramente intimidado pela atmosfera criada, e sem saber bem que atitude tomar.
Voltou a sentar-se e olhou-me de novo. Eu continuava imóvel e nem sei se respirava. O ambiente criado, a postura do Cmdt e o vozeirão (que me pareceu mais teatral que natural) pesavam sobre os meus 23 aninhos recentemente conquistados.
Deixou passar mais uns breves momentos, como se usufruindo de um poder que quase me poderia enviar para a frente de um pelotão de fuzilamento (a invectiva dura e quase fulminante do botão quase desabotoado ainda me burilava nos ouvidos), determinou, qual César num breve acesso de boa disposição: podes descansar...!
Afastei os calcanhares, cruzei as mãos atrás das costas, tudo com determinação copiada da postura recente do Cmdt.
Em Roma sê romano. E respirei, devagarinho... O silêncio estabelecido a isso me aconselhava.
Baixou os olhos e leu os meus papéis. Teve um leve esgar de sorriso, pareceu-me. O semblante militar nem sempre permitia ler sinais de emoções civis naturais.
Tens 23 anos...?!
Sim, meu Cmdt. - atrevi-me a responder sem saber se era uma pergunta se era uma constatação.
Pois! É o que consta aqui. Já estiveste na guerra?
Quatro meses nos Dembos.
Onde?
Mucondo, Stª Eulália.
Quem era o Cmdt de Batalhão?
Tenente-coronel Duarte Silva.
Hum... Cavaleiro. Foste atacado?
Um ataque e uma mina anti pessoal.
Morreu alguém?
Três pessoas.
Pessoas como? Militares ou inimigos?
Três elementos da população que acompanhavam os guerrilheiros.
Então, três inimigos...!
...!
Tens consciência da responsabilidade que vais assumir? Tens consciência do que te pede a Pátria?
Julgo que sim, meu Cmdt. - proferi com consciência da pouca convicção com que o afirmava.
Julgas, ou tens a certeza?
Tenho alguma consciência da responsabilidade, mas poucas certezas daquilo que me espera.
Olhou-me em silêncio durante o tempo suficiente para que eu admitisse que me ia cair uma tempestade em cima. Quem sabe se não me daria por inapto, tendo em conta as minhas poucas certezas e menores convicções. A do botão ainda não se tinha desvanecido.
Retomou aos papéis por longos segundos. O semblante continuava impenetrável. O calor já intenso daquele verão de 71 fazia-se sentir no rosto do Cmdt em forma de gotículas de suor que amiudadamente limpava ora com a mão, ora com um lenço imaculadamente branco. Por fim rompeu abruptamente aquele silêncio e atirou:
Gostas de vinho branco ou tinto?
Embatuquei. O ambiente deve ter-me transtornado de tal forma que já não entendo bem aquilo que ouço, pensei. Pedir para repetir? Desaconselhável. Rompeu-me a ideia de que um "nim" talvez resolvesse, ou me safasse.
É-me indiferente, meu Cmdt. - balbuciei receoso.
Indiferente como? Ou gostas de branco, ou de tinto.
Bem, afinal tinha ouvido correctamente.
Por vezes vai bem um tinto e outras gosto de um branco bem fresco. No Algarve, donde sou natural, no calor do Verão sabe bem um...
... branco bem fresco, não é? É desse mesmo que eu gosto. Esta noite jantas comigo - rematou o Cmdt levantando-se e encaminhando-se para a porta, não sem antes se postar bem à minha frente, naquela nova postura para mim, esperando mais uma tremenda de uma palada que me esmerei por satiafazer. No momento acrescentou:
A partir de hoje a posição de sentido será assim - disse mantendo aquela nova posição por alguns momentos, esperando obviamente que eu o seguisse.
Tomei a postura, após a continência.
Corrigiu-me.
Punhos mais cerrados e posição mais agressiva. E a partir de hoje vais envergar sempre uma camisola preta debaixo do fardamento. É um distintivo de comando que caracteriza esta unidade.
Desfazendo a postura indicou-me a porta.
Lá fora, o oficial de dia que me havia conduzido até à porta, esperava-me.
Então, como correu?
Não sei. Normal, acho eu.
Não te beliscou com o fardamento?
Um sacana de um botão quase a desabotoar-se que eu tenho a certeza que tinha abotoado, conforme me preveniste.
Só o botão? Estás com sorte. Os atacadores dos meus sapatos não estavam atados de forma parelha...

2 comentários:

Antonio Rego disse...

antonio.rego49@hotmail.com

Antonio Rego disse...

Amigos da conpanhia 3441, Angola ,N.RIquinha,se bem se lenbram do 1ºcabo enfermeiro.RÊGO. que foi deixado para trás numa prisão em SANTA MARGARIDA ,por causa duma caramuza que tive com o cabo meliciano SILVA ,no qual lhe chamei xico por ele já andar com as devissas de furriel, mas tudo passou, por cumulo que paressa fui ter com voces a N.RIQUINHA passado meio ano no qual passei os dias mais horriveis da minha vida no qual me refujiei no alcool, mas tambem tive sorte por regressar com a companhia porque tinha-mos, um gramde CAPITÃO,CABRITA,se não fosse ele eu não vinha para junto dos meus ,seis filhos que naquela altura já tinha ,muitos lembram-se que quando resevi a noticia que vinha com a companhia atirei-me para dentro do lago que tinha-mos em frente há secretaria ,nas, MABUBAS)) grande alegria eu tive nesse dia só eu e DEUS é que sei.amigos eu tinha tanta coisa para vos contar fica para uma próxima,não consigo escrever mais aqueles amigos que queiram falar com REGO liguem .TLM..)913755459 TF..224839755 GONDOMAR-VALBOM REGO..??