
Mais uma vez encafuei as minhas tralhas dentro da mala,
cuidei de verificar que não deixava nada para trás e arrumei tudo o melhor que
pude numa das viaturas que, no largo frente ao comando, aguardavam o momento de
nos levarem para a cidade. Acomodei-me num canto qualquer, disse adeus a quem
ficava e aguardei sem pressa a hora da partida.
As viaturas subiram a rua, lentamente. Passaram frente à
messe, depois pelo boteco do Manolo, o barracão do cinema e finalmente a
cancela de controlo já guardada por soldados acabados de tomar o nosso lugar. A
guerra seguia em frente, naquela sistemática substituição de contingentes, uns
a chegar outros a partir numa permanente adaptação a novos lugares e novas
missões. Para os recém-chegados, a acalmia necessária para lamber as feridas da
alma, para nós, o adeus definitivo aos quartos de sentinela, às rondas
nocturnas e à limpeza das armas, arrumadas a um canto desde que libertos da
savana.

Penetrámos o trânsito citadino. Nada a que já não
estivéssemos habituados. Os últimos tempos nas Mabubas, com as frequentes idas
e vindas a Luanda, fizeram-nos esquecer o silêncio da enorme e desértica
savana. Mas esta última viagem materializava o regresso definitivo à
civilização, ao bulício da cidade, ao trânsito, com tudo o que isso tem de bom
e de mau. Para mim, contudo, representava finalmente a fuga às agruras e aos
tratos de polé infligidos por uma natureza hostil. Agora sim, a mata ficava
para trás e a guerra, que sentimos ir desaparecendo das nossas vidas no sossego
das Mabubas, chegara definitivamente ao fim.
Entrámos no Grafanil, uma espécie de antecâmara para o inferno das matas e o stress da guerra para quem chegava a Angola. Passáramos por isso dois anos e quase dois meses atrás. Mas, para nós, que chegávamos ao fim daquela malquista missão, representava o limiar da civilização e o recomeço da vida que ficara parada no tempo.
Entrámos no Grafanil, uma espécie de antecâmara para o inferno das matas e o stress da guerra para quem chegava a Angola. Passáramos por isso dois anos e quase dois meses atrás. Mas, para nós, que chegávamos ao fim daquela malquista missão, representava o limiar da civilização e o recomeço da vida que ficara parada no tempo.
3 comentários:
A própria escrita parece serenar o tempo de todas as tempestades que começam a dissipar-se.
Luanda no horizonte, uma praia sem guerra, um levantar voo e o aterrar no abraço fraterno dos amigos e da família.
Ao nosso escriba de excelência vamos começando a deixar o nosso lamento por uma despedida que se prenuncia.
Vamos acreditar que seja apenas um até logo porque na verdade estará sempre presente um até sempre.
Enquanto por cá andarmos esta história não acaba aqui.
Enquanto a memória nos permitir soprar o pó dos tempos e da nostalgia, a história que fomos capazes de escrever continuará viva e indelével nos nossos sentidos.
Pela minha parte trago-vos a todos num sentimento que nenhum tempo apagará.
Continuo a achar que todos estes episódios merecem ser lapidados num livro que perpetue os tempos e a História que fizemos.
Abraço
P C.
Quando vejo a foto de Luanda como esta do post, e vemos agora na televisão a Luanda de Sanzalas de 30 andares e condomínios fechados, fico com saudades de lugares do fim do mundo como o Cuando Cubango e N´riquinha que devem continuar tal qual.
Mas de Luanda, penso que não gostava de visitar onde passei tantos anos,
Outro dia, o pessoal da Guiné estava-se a perguntar no blog, porque depois do que passaram, pelo menos os que estavam nas fronteiras, ainda continuam a recordar tudo tim por tim tim.
É que foram 24 meses, que poucas gerações de portugueses de 900 anos, terão vivido um momento tão decisivo para Portugal.
A intensidade foi de tal ordem que diariamente durante 13 anos, todas as emissores de paises civilizados, falavam de nós tugas, portugas, pelo menos 2 vezes por dia em Português de Portugasl e português do Brasil.
Fusos horários, que começavam em BBC, R. France Internacional, Deutsche Welle, Rádio Varsóvia, R. Praga, Rádio Moscovo e Voz da América.
Ficam várias para traz.
Parabens pelas vossas memórias
Cumprimentos
Amigo Rosinha
É um prazer voltar a vê-lo por aqui. Pela minha parte já estava a ficar preocupado por tanto silêncio.
Gostei dessa sua imagem de sanzalas de 30 andares. É apropriada. Num país tão grande deveria ser proibido construir acima de 4 ou 5 andares.
Quanto à N´riquinha e o Cuando Cubango só estamos à espera da construção de uma autoestrada que vai rasgar aquela zona. Parece que a ideia é criar por ali uma Coutada com fins turísticos. E nessa altura faremos um safari por lá...
Nem tudo está na mesma, claro. O aquartelamento foi desativado e o aldeamento que estava junto desapareceu; regressaram aos seus locais de antigamente; rio Cúbia e a Riquinha situada junto ao rio Kuando.
Conseguimos que a Googlehearth desse uma rapada de qualidade na imagem da zona e assim colocámos lá várias fotos. Consegue-se ver as ruínas do aquartelamento do pouco que dele ficou.
Se o meu amigo tiver curiosidade envie-me o seu endereço de email e enviar-lhe-ei imagens do Googlehearth e até as coordenadas caso queira verificar essas e outras zonas circundantes através do Google.
Vai o nosso abraço.
É sempre um prazer tê-lo por aqui.
Pedro Cabrita
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