África, na sua inexplorada imensidão, é um mundo selvagem e hostil. Os seus grandes desertos não são locais que sirvam para dar abrigo ao ser humano. Dos poucos que por ali vivem apenas recordo os pequenos e irrequietos bosquímanes que desenvolveram o seu metabolismo adequando-o às exigências de tão inóspito lugar.
O bocado de fim de mundo que constitui a província angolana do Cuando Cubango, é composto na sua maior parte por uma savana encalacrada entre os dois grandes desertos africanos: o imenso Kalahari e o caseiro deserto de Moçâmedes.
Dois dos maiores rios angolanos deram o nome à província: o Cubango que nascendo no centro do território delimita a província a oeste, estabelece boa parte da fronteira com a Namíbia e acaba por morrer fundindo-se no enorme pântano do Okavango depois de percorrer cerca de 1.600 quilómetros e o Cuando que empresta parte do seu curso para definir a linha de fronteira com a Zâmbia, indo desaguar no Zambeze depois de atravessar a Faixa de Caprivi, território namibiano que constitui um dos mais conhecidos "cabo de frigideira" (panhandle) da geografia mundial.
A Neriquinha e toda a área de actuação da 3441 confinavam a leste com as margens deste rio e seus inúmeros afluentes, parecendo-nos o local mais remoto de todo o imenso território angolano. Por alguma razão alguém apelidou o Cuando Cubango de Terras do Fim do Mundo, como ainda hoje é conhecido.
Era um ambiente hostil que intimidava quem por ali aportava e só aos poucos e poucos, à medida que cada troço de picada, cada chana, cada recanto mais escondido se ia tornando familiar, fomos sendo capazes de apreciar a beleza selvagem e indescritível que todos os dias se exibia provocadora perante intrusos que dificilmente aceitariam ali viver de livre vontade.
Ainda assim, mesmo passado mais de um ano de por ali deambular nas frequentes operações de controlo do inimigo, sentia sempre um certo desconforto toda a vez que uma nova missão me levava para além das zonas já conhecidas, não obstante a semelhança entre cada recanto percorrido.
Uma noite de chuva diluviana ou um dia atormentado por trovoadas aterradoras acompanhadas de relâmpagos que se anunciavam como disparos de roketes, rachando árvores como se abertas de uma assentada por gigantescos machados invisíveis, compunham visões feéricas que pareciam querer amedrontar quem ousava profanar aquelas paisagens apenas molestadas pelas forças da natureza.
No entanto, todo aquele mundo de ninguém tinha a sua faceta simpática. Não era difícil olhar para tudo o que nos rodeava e encontrar pormenores de beleza indescritível, desde a imponência real da grande palanca preta, da elegância das gazelas passando pela ferocidade de búfalos com cara de poucos amigos até ao desajeitado galope dos gnus para só falar de alguns dos elementos que compunham a rica fauna que diariamente desfilava perante os nossos olhos.
Dependendo da sensibilidade de cada um, até o colorido da mais pequena flor que se abria ao sol depois das primeiras chuvas, pincelando de cores múltiplas a paisagem agreste, no meio de capim verdejante, oferecia um contraste de beleza no meio daquela imensidão de mato que, durante a época seca, alimentava queimadas gigantescas num afã destruidor de tudo transformar em negro até as primeiras chuvas voltarem a pintar de verde toda a paisagem.
Contudo, o grande actor, imponente e castigador que por ali se exibia durante todo o ano, era o sol. Depois de infernizar a vida de todo o ser vivente que se atrevesse a pisar o seu palco, recolhia-se ao fim de cada dia em espectáculos impossíveis de descrever, numa autêntica explosão de cor, pintando quadros diferentes sempre que se recolhia, desaparecendo de seguida como se se enterrasse na linha do horizonte.
É verdade, o pôr-do-sol na savana era sempre um espectáculo que me deslumbrava a cada fim de dia.
1 comentário:
Obrigado caro José de Sousa.
Continue a visitar-nos. Nem que seja pelas imagens que constinuaremos a publicar.
Ah! Já dei uma olhadela aos seus blog's. Interessantes!
Continue. Aquela terra merece que se fale dela.
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