sábado, 19 de junho de 2010

A HORTA

Num simples rectângulo de terra correndo lateralmente pela periferia do arame farpado, logo ali junto à pista ao lado do barracão que albergava os dois cabos da força aérea, se fez uma horta.
Inicialmente mais parecia não passar de um entretém que ocupava diariamente o cabo Coelho. Nem a área nos parecia suficiente nem a aridez envolvente prometiam grandes colheitas, pelo menos algo que valesse a pena.
Sim, seria mais uma forma de nos aproximar dos costumes lusos, dando corpo à máxima de que onde haja um bocado de terreno o português faz uma horta.
Mas naquele lugar nada pode ser comparado ao nosso rectângulo à beira mar plantado. O que quer que se lançasse à terra crescia desmesuradamente e a uma velocidade inesperada. Um poço com poucos metros de profundidade escavado ao lado fornecia água em abundância. Uma alavanca com um balde na ponta e alguma força braçal faziam correr pelo terreno, sempre que fosse preciso, a água necessária para a rega. Isso, o conhecimento do ofício por parte do cabo Coelho e o trabalho dos dois ajudantes, jovens assalariados recrutados na população, muito sol e chuvas abundantes, era tudo o que era necessário,
Feijão verde, alfaces e pimentos com o dobro do tamanho dos que conhecia, permitiam compor a ementa do cozinheiro. Umas sementes de tomate, creio que vindas do Algarve por intermédio do capitão (algarvio de gema) transformaram-se rapidamente em plantas enormes, garantindo uma colheita diária de tomate fresco e adocicado. As saladas eram bem vindas e a quantidade deu em certa altura para servir salada a toda a companhia. Até amendoim se semeou.
A evidente fertilidade daquelas terras inspirou o capitão. Um dia decidiu que se faria uma horta para a população local. Com tão poucos recursos disponíveis, uma produção hortícola logo ali ao lado, seria certamente um bom aconchego a estômagos habituados a pouca coisa.
Envolveu os GE’s, o Soba e os Séculos, constituiu uma equipa, escolheu-se o local e metemos mão à obra.
Limpou-se uma área considerada suficiente, deu-se início à abertura do buraco à procura de água, ali disponível a pouco mais de meio metro de profundidade, e tudo ficou pronto para a sementeira.
Creio que nunca ali foi plantado o que quer que fosse e rapidamente o capim tomou conta do espaço. A população não estava habituada a comer tomates, pimentos alfaces ou feijões e obviamente não deu seguimento ao projecto. A sua agricultura, naturalmente de subsistência, reduzia-se ao milho e ao massango que as mulheres semeavam no início da época das chuvas em pequenas áreas espalhadas pela mata. As abundantes chuvas que regavam a região durante mais de metade do ano eram mais do que suficientes para dessedentar culturas tão pouco exigentes. Depois era esperar pela altura das colheitas, transportar as espigas para o Kimbo, mais uma vez pelas mulheres, ou então com a ajuda das nossas viaturas. O grão era por fim guardado em celeiros artesanais com cobertura de capim e empoleirados em paus que os elevavam acima do solo.
Lembrei-me várias vezes do meu pai. Madeirense, habituado desde sempre a ver cada insignificante leira de terra aproveitada para o plantio de tudo o que era necessário, acharia estranho aqueles imensos baldios a perder de vista, totalmente desaproveitados. Ainda por cima uma terra macia, fácil de trabalhar e com água em abundância.












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