
Para nós, que calcorreámos quilómetros e quilómetros daquela savana imensa, a paisagem já não nos dizia grande coisa. E mesmo quando, por imperativo de ordens superiores penetrávamos bem para o interior daquele mundo de ninguém no cumprimento de mais uma missão, a paisagem parecia continuar a não variar. Por onde quer que se andasse, as chanas assemelhavam-se umas às outras, não mudava muito o aspecto dos charcos, mantinha-se a pouca densidade do arvoredo e as clareiras sucediam-se com a mesma inconstância. Quando muito, aqui e ali, um contorno mais pronunciado, umas quantas árvores de copa um pouco mais densa e uma ou outra característica sem importância poderiam marcar alguma diferença dos locais que já conhecíamos.

As pontes do Cúbia constituíam uma espécie de fronteira, um portal para esse mundo inseguro, inexplorado e selvagem. Construídas pouco tempo antes de ali chegarmos, o seu objectivo era óbvio: permitir a ligação à outra margem do rio Cúbia. E o local escolhido não podia ser mais apropriado, ali mesmo onde o Luengue se encontra com o Cúbia, engrossando as águas do seu tímido curso que, preguiçoso e indolente caminhava, por vezes escondido entre a vegetação, desde as profundezas da mata da Kirongosa até se encontrar com o grosso e serpenteante caudal do rio Cuando onde pacificamente se diluía no meio de uma planície pantanosa a perder de vista.

Para mim e creio que também para os meus companheiros de aventura, as pontes do Cúbia representavam o limite da nossa zona de conforto; a fronteira entre o cá e o lá. E essa característica transformou aquele local numa espécie de marco icónico que separava a proximidade de casa da longínqua terra de ninguém. Distavam pouco mais de trinta quilómetros da Neriquinha, percurso que se fazia ao longo de uma sinuosa picada que atravessava uma zona que se considerava nossa conhecida; não obstante tratar-se de uma distância considerável, era como se fosse uma extensão alargada do nosso quintal. Trinta quilómetros por aquelas picadas sinuosas era distância que representava mais de hora e meia de caminho, se tudo corresse bem. Mas era assim; até às pontes, era como se apenas tivéssemos ido ali para logo voltar, a partir daí, imperava o efeito psicológico de quem se sente longe de casa. Era a substituição do precário conforto da caserna pela exposição à intempérie, ao calor sufocante da savana e às noites ao relento à mercê de hordas de mosquitos vorazes.

Foi à vista das fotografias daquele local publicadas pelo José Rodrigues Ferreira da companhia que ali nos antecedeu, que me recordei do conforto que sentia quando, de regresso de uma qualquer missão, após dias na mata e horas intermináveis da viagem de regresso, avistávamos as pontes do Cúbia. Chegar ali, era como se o pior já tivesse passado. É verdade que faltavam quase duas horas de caminho mas, para nós, com os corpos amassados da viagem, empapados em suor e cobertos de pó, era como se fosse já ali.
- Estamos quase em casa. Desabafava-se.
É que, já nem se pensava na eventualidade de uma viatura poder atascar ou até parar por efeito de uma qualquer avaria. A partir dali, se disso houvesse necessidade, o socorro viria rápido. Só era preciso que o estupor do rádio funcionasse, o que, diga-se em abono da verdade, nem sempre estava garantido. Mas isso só aconteceu uma ou outra vez. Creio que até as viaturas, como que pressentindo a proximidade de casa, tudo faziam para não se deixarem ir abaixo.
Hoje, quando, usando as facilidades do Google Earth se visita o local, fica a ideia de que as pontes já não são utilizadas. É perfeitamente visível que desapareceu a picada que, na margem esquerda, dava continuidade ao caminho que levava à Neriquinha, não obstante o risco amarelo no mapa do Google insinuar a sua existência. Parece que toda aquela zona deixou de ter interesse, após a desactivação das instalações que nos serviram de morada enquanto por ali andámos. Hoje são apenas ruinas.
