
O Matias, por exemplo, encontrou, algures no meio da mata, um pequeno macaco. Perdera-se da mãe (ou perdera a mãe). A verdade é que ganhou afeição ao pequeno símio e este parecia corresponder. Acompanhava-o para todo o lado, tendo facilmente criado o hábito de se encavalitar no seu ombro, mordiscando pedacitos de guloseimas que este lhe ia dando. O Matias, com os seus óculos de aros grossos pesando-lhe sobre o nariz, ignorava os comentários brejeiros da malta. Revoltava-se de quando em vez ou porque a paciência se esgotava ou

- Anda bicha, anda.
Após algumas voltas sobre a areia solta do Kimbo, metia-a debaixo do duche. Não que lhe quisesse dar banho. Simplesmente descobriu que a galinha, provavelmente porque confundia o duche com a chuva, aquietava-se naquele genético e característico empinar do corpo para facilitar o escorrer da água sobre as penas.
- Assim, ela não foge.
Concluía o cabo, sem conseguir convencer alguém sobre o seu temor pela fuga da galinha. Na verdade, o bicho nunca se afastou para além do perímetro do arame farpado, como acontecia com a criação da população que deambulava por entre as palhotas. Galinhas são animais domésticos e naturalmente, não se distanciam muito do local onde lhes é fornecido alimento


Detestados, apenas os percevejos que usurpavam as nossas camas, infernizavam o sono e provocavam erupções na pele seguidas de comichão que se agravava com o inevitável coçar.
Os ratos eram igualmente indesejados, pelo que, foi com alguma preocupação que alguém encontrou, algures pelo aquartelamento, uma ninhada. Eram ainda muito pequenos e indefesos, mas tinham de ser eliminados, já que uma praga de roedores era certamente coisa a evitar.
Assim, três ou quatro cacimbados ofereceram-se como voluntários para a tarefa, transformando o acto de extermínio dos bicharocos num passatempo. Um risco no chão passou a simbolizar uma fronteira. Largavam um ratito num dos lados e sentenciavam: - Se passares o risco, lixas-te.
O animal vagueava, perdido, sem se decidir por onde avançar, intimidado pelo bulício à sua volta. A aproximação do risco criava um suspense. Enquanto uns incitavam, outros gritavam em excitação pela iminência da passagem da fronteira.
- Ooooohhh…bolas!
Exclamavam em coro de desapontamento, quando, no último momento, o atarantado murganho inflectia a marcha e adiava o cruzar da linha fatal.
Quanto finalmente ultrapassava o risco, o rato era eliminado e imediatamente substituído por outro, sucedendo-se a cena até não restar nenhum.
Mas, ninhadas de ratos não se encontravam com frequência pelo que, outras vezes, uma ou outra barata menos lesta na fuga, foi utilizada na brincadeira até o jogo perder a graça e ser substituído por outro entretém para matar o tempo.
Porém, a mais mimada, era a cadelita Riquinha que trouxéramos do Rivungo. Sendo a mascote do meu pelotão, tornou-se rapidamente no centro das atenções. Atrevida e simpática, assenhorou-se das atenções, do espaço, da camarata, das messes e alargou paulatinamente o perímetro do seu território de brincadeira. Tomava banho amiúde, usufruindo dos nossos duches, não fosse ser acometida por alguma praga de pulgas a juntar à de percevejos existente.
Foi crescendo, lentamente, embora se visse de imediato ser um animal de fraca estatura.

Esta parceria canina, fazia-me sempre lembrar dois rios ligados à história da civilização antiga: o Tigre e o Eufrates, um pelo nome e obviamente o outro por ser nome de rio. Enfim, reminiscências de estudante habituado a decorar o que não podia ser assimilado pela compreensão.
Havia quem dissesse que eram cães treinados para a guerra, animais que seriam capazes de dar luta a qualquer turra que se atrevesse a invadir o recinto e por isso sentinelas eficazes. Mas isso não era verdade. Cresceram habituados às fardas militares, mostrando-se indiferentes a quem a usasse e manifestavam, de quando em vez, alguma animosidade para com o aspecto seminu que definia o trajar da população. Contudo, nunca houve notícia de que tivessem alguma vez atacado ou mordido alguém, sendo mais pacíficos do que o seu aspecto aparentava.
A Riquinha, no natural atrevimento de canídeos novos, infernizava a o dia a dia do Tigre e do Cúbia. Estes, a princípio, ignoravam-na, não dando importância às suas brincadeiras atrevidas, designadamente quando, em atitude provocatória, mordiscava a orelha de um ou puxava a pata do outro. Não demorou muito para que passassem a ser vistos juntos com maior frequência.
Ou porque a cadela era oferecida ou porque os cães não olham a idades, pareceu-nos que a brincadeira passou a ter outro interesse. Digamos que lhe acrescentaram sensualidade ou lascívia canina. Mas não. Creio que os cães reagem a tais impulsos por instinto, não se podendo colocar maldade no que a natureza comanda. Fosse como fosse, passado algum tempo, tornou-se notório o aumento de volume do ventre do animal. A Riquinha estava prenha.
- Não pode ser! Exclamavam uns.
- A cadela é muito nova! Acrescentavam outros.
Mas era um facto. A cadela estava mesmo prenha e bem cedo deu sinais de ainda não estar fisicamente preparada para a tarefa. Tropeçava frequentemente como se não pudesse com o peso, perdeu o apetite e parecia lamentar-se num silêncio de culpa.
- Prenha coisa nenhuma, isso só pode ser doença. Sentenciou alguém.

Os dois canzarrões não mostraram preocupação, lamento ou dor pelo desfecho.
Continuaram na sua ocupação ociosa: esticados debaixo de uma qualquer sombra, indiferentes ao desaparecimento da malograda mascote.