
Já há algum tempo que os imbondeiros haviam florescido.
Ninguém deu por isso nem pelo intenso odor a carniça que certamente exalaram.
Floresceram durante a noite numa exuberância de branco açucena que não chegou a
durar vinte e quatro horas. Por mim, apenas me lembro de, tempos depois dessa epifania floral, ter reparado naqueles grandes frutos dependurados
de longos pedúnculos; a múkua é, de facto, um fruto esquisito a condizer com o
gigantismo pouco elegante daquela árvore estranha.

Mas é assim, a acácia rubra floriu colorindo aqui e ali a
paisagem de pinceladas avermelhadas, entrou novembro, a chuva ensaiou as
primeiras borrascas e a paisagem começou de novo a verdecer. Não era
propriamente o mês de sazão, que por aquelas bandas nenhum mês tem esse
exclusivo, mas notava-se que as mangas intumesciam começando timidamente a
ruborescer anunciando o princípio da maturação que lhes daria a doçura
perfumada que as caracteriza, que banana, mamão e papaia há-os todo o ano.
Talvez por isso ou por mera sugestão, o ar parecia-me rescender a fruta madura
e aloés à mistura com o aroma adocicado e quente do dendém.

Por aquela altura, estava completa a adaptação aos rigores
africanos. Já me parecia normal que as chuvas diluvianas viessem com o calor e há muito que considerava natural que não era possível dormir sem a protecção do dossel anti mosquito. É verdade!
Sem darmos por isso, o tempo havia passado e estavam quase a completar-se dois
anos desde que o Vera Cruz, após cruzar o oceano, nos deixara no cais de Luanda
na ignorância do que nos esperava nem qual o nosso destino. Agora, que o tempo
havia passado e não obstante os rigores sofridos, olhava-se para trás e,
quiçá com o tempero do conforto das Mabubas, quase se podia pensar que o tempo
passara depressa e isso merecia comemoração.

Pois é! Planeou-se um dia de festa e decidiu-se que seria num
domingo. Aproveitava-se a folga do fim-de-semana e era o dia em que as Mabubas
se enchiam de gente que, vinda de Luanda aos magotes, aproveitava o descanso
semanal para visitar a barragem. Queríamos uma coisa memorável e o público ajudava
a conferir grandeza aos festejos.
Não retenho pormenores mas creio que as acções preparatórias
foram divididas por todos: era preciso organizar tudo, decidir o que fazer,
planear os eventos, calendarizar as provas, inscrever concorrentes e convidar
gente. Marcaram-se os itinerários, nomearam-se árbitros e fiscais de prova e
definiram-se regras. E, como importava garantir o empenho dos competidores,
mandaram-se fazer taças, galhardetes, prémios e outros troféus, três por cada
modalidade, já que rancho melhorado estava garantido. Tudo autorizado pelo
capitão com financiamento acautelado pelo nosso primeiro-sargento.
A promoção do evento também não foi descurada: imprimiram-se
panfletos anunciando o programa de festas afixando-os por tudo quanto era sítio
incluindo a tropa e o comércio do Caxito. Visitámos a pista de motocross de
Luanda e chegámos a convencer alguns pilotos a participar. Enfim, um afã
organizativo como se aquela fosse a nossa última missão já que, sem que se
desse por isso, a guerra que para ali nos levou fora empurrada para a periferia
do nosso arquivo de recordações.
Foi um dia memorável e quase se pode dizer que a localidade
das Mabubas se engalanou. Não houve motocross porque não foi possível preparar
uma pista adequada, mas substituímo-la por uma gincana de motorizadas. Quanto
ao mais, correu tudo como planeado: a prova de pesca, sem grande empenho por
parte dos peixes que não quiseram deixar-se apanhar, a natação em que o Zip,
julgando-se perseguido por um crocodilo, bateu o seu record pessoal, o
atletismo, com alguns craques à altura e finalmente o tão esperado rally
automóvel. Na verdade, foi mais uma gincana na qual quem tinha carro
participou: O Sr. Almeida com o seu Ford Escort, o João da mercearia a querer
mostrar a potência do seu BMW 2002Ti novinho em folha, um desportivo de que não
sou capaz de me lembrar a marca nem de quem era e, como não podia deixar ser, o
velho Simca Aronde do “Bacalhau” que deu o que pôde mas sem condições para
competir com a potência dos demais.
Finalmente, num cerimonial presidido pelo capitão, os
prémios foram entregues aos vencedores, voltando o local à rotina de todos os
dias. Tudo correra bem e terminou melhor.
À noite, como que fazendo o balanço da jornada, dei por mim a pensar que a nossa missão por terras africanas terminara. Tinham-se completado dois anos e agora apenas restava aguardar que outros nos viessem render. Pode parecer bizarro mas, ao contrário do que acontecera na Neriquinha, não senti qualquer tipo de impaciência relativamente à chegada desse dia, pelo menos naquele momento. Interiorizei apenas que podia ser em qualquer altura. Já não havia pressa e ali não se estava mal.