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Tive oportunidade de confirmar que a savana do sueste angolano é rica em insectos e outros bichos, muitos dos quais eu nunca antes havia visto. E todos eram especiais, próprios daquelas matas. Mesmo os que pensávamos já conhecer eram diferentes, fosse pelo tamanho, ou pelas suas peculiaridades, comportamentos e características. Por exemplo, gafanhotos são gafanhotos em qualquer parte do mundo, não obstante possam apresentar-se sob múltiplos aspectos. Os que por ali esvoaçavam pareciam-me sempre diferentes; no mínimo mais coloridos. As moscas, para além de existirem aos milhões, variavam em tamanho cor e feitio, desde as muito grandes e multicolores até às mais pequeninas e cinzentas. Surgiam do nada, zumbiam como satélites à volta da cabeça e entravam pelo nariz e boca, sugadas pelo simples respirar. A verdade é que infestavam as matas tornando-se especialmente irritantes no auge da canícula, exactamente quando os pulmões, carenciados de ar pelo efeito do calor e do esforço, mais sofregamente bombeavam o oxigénio necessário.
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Depois vinham as espécies rastejantes, onde se contavam as mais exóticas centopeias, escaravelhos multicolores e outros bicharocos estranhos que se passeavam por entre a roupa, mal nos estendêssemos pelo chão procurando recobrar as forças consumidas em caminhadas sobre as areias quentes e soltas que caracterizam o solo de tão inóspitas paragens. Certa noite, enquanto dormia, algures num ponto qualquer da mata, uma dessas criaturas, certamente peçonhenta, entrou-me no ouvido. Inconscientemente devo ter-me coçado. O facto é que, no dia seguinte, uma estranha dor não me largava. A visita que fiz ao enfermeiro, após o regresso ao conforto da Neriquinha, permitiu descobrir uma infecção extensa. Ainda hoje não sei exactamente que bicho me picou, mas lembro-me perfeitamente do estrago que causou e das dores que tive de aguentar enquanto o Pinto, o furriel enfermeiro, procedia a uma desinfecção meticulosa, escarafunchando o ouvido até ter a certeza que tudo ficara desinfectado, tratado e limpo.

Falta ainda falar das formigas. E por ali havia muitas e para todos os gostos. Algumas estranhas, na sua maior parte inofensivas, mas outras não. Havia-as pequeninas como todas as que conhecemos, outras um pouco maiores e ainda as grandalhonas, cada uma calcorreando afanosamente os carreiros que conduziam ao seu mundo escondido algures nas entranhas da terra ou no interior de um qualquer tronco caído. Por exemplo, a salalé, formiga alada de tamanho significativo era, no meu entender, um bicho espantoso. Construía morros cónicos de dimensão considerável, cuja altura chegava a ultrapassar dois metros, autênticas fortalezas capazes de resistir a todas as intempéries ou ataques; derrubar um morro de séléle, implicava o uso de picareta e um tiro de G3, mesmo que a pouca distância, não o conseguia trespassar.
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Certa vez, ali para os lados da Neriquinha Velha, tive oportunidade de verificar a ferocidade destes pequenos seres. Caminhávamos ao longo de uma extensa chana no cumprimento de mais uma das várias operações em que participei. O calor era, digamos, suportável mas, ainda assim, acima dos trinta graus o que, conjugado com o elevado grau da humidade do ar, fazia com que o céu parecesse pesar sobre os ombros, tornando ainda mais penoso o caminhar. Não retenho exactamente qual era o objectivo da acção, mas suponho que, como tantas outras, se destinava a percorrer determinado itinerário numa qualquer missão de patrulhamento. Iniciáramos a caminhada bem cedo palmilhando chanas e matas durante toda a manhã. No momento, seguíamos pela chana evitando o terreno areento da mata onde as botas se enterravam dificultando a marcha e exigindo o redobrar do esforço. Ainda assim, todo o grupo já estava de rastos, exausto, com os músculos dormentes e já descoordenados a obrigarem a uma paragem.
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As latas vazias, cheirando a molho ou untadas de óleo, foram sendo depositadas em pequenos montículos, já que a regra impunha que fossem enterradas de modo a não ficarem visíveis sinais da nossa passagem. Mas isso ficaria para quando se iniciasse a marcha, coisa que não levaria mais do que um ou dois minutos já que que o terreno de areia solta tornava a tarefa fácil. Por enquanto, com o estômago composto, preguiçávamos jacentes sobre as ervas, alguns dormitando num quase inútil exercício de preparar o corpo para a inevitável e extenuante caminhada que duraria até ao anoitecer.

Mas, sem que nos dessemos conta, o cenário foi-se alterando e, ora um ora outro, começou a sentir o efeito das picadas, ao ponto de alguém ter de despir apressadamente as calças para melhor sacudir uma meia dúzia delas que, subindo pelas pernas, atingira zona sensível. O facto é que ali já não era possível estar. O descanso foi abruptamente interrompido e a debandada foi geral. Arrumaram-se as coisas afastámo-nos uns metros da posição em que estávamos, e mudámo-nos para a orla da mata, longe das formigas, aí permanecendo até que se esgotasse o tempo que havia sido definido para o descanso.

Daquela vez, ficou por cumprir uma das regras impostas pela segurança; as latas não foram enterradas.
Ao cair da noite, chegado o fim da operação, quando já quase ninguém se lembrava do sucedido, ainda julguei sentir uma ferroada nas partes baixas. A savana é, sem dúvida, um local hostil mesmo que apenas com a contribuição de pequeninos seres.