
Naquelas paragens havia uma importante preocupação diária - a segurança.
A hipótese de um ataque ao aquartelamento não era ficção e não podia nunca ser encarada com leviandade. Aliás, o ideal seria pautar o nosso comportamento considerando como altamente provável a ocorrência de um ataque. Erro seria admitir o contrário, mesmo sabendo que isso não
acontecera com as companhias que nos antecederam. E todos levavam isso a sério como ficou demonstrado certa vez, por alturas da visita do segundo comandante do Batalhão, episódio já anteriormente descrito pelo Cabrita.
Assim, era imperioso que uns se encarregassem da segurança dos outros, especialmente enquanto dormiam. Sim, alguém tinha de ficar permanentemente acordado, tarefa que competia, em primeira linha, aos praças de acordo com a escala de serviço. Em segunda linha, ao sargento-de-dia, cuja missão era velar por quase tudo o que se passava no aquartelamento no espaço de 24 horas, incluindo as rondas nocturnas por todos os postos de sentinela procurando garantir que ninguém dormia no posto.
Relativamente ao serviço de sargento-de-dia e considerando que éramos cerca de uma dúzia, a tarefa era mais suave. Doze dias de intervalo entre cada serviço garantiam pelo menos onze noites de sono sem interrupções. Mas no que toca aos praças, a coisa era bem mais penosa.
Ao longo dos quatro lados que definiam o perímetro da cerca de arame farpado que delimitava o local, haviam sido construídos frágeis postos de sentinela empoleirados sobre quatro paus e protegidos por chapa ondulada. Não me recordo de quantos eram. Só sei que garantiam a vigilância em todas as direcções.
Durante o dia, apenas eram escaladas duas sentinelas, uma cobrindo o lado da pista e outra garantindo segurança à parte de trás que confinava com a mata que, por razões de segurança se procurava manter desbastada de forma a garantir uma faixa desmatada de cerca de 100 metros, mais coisa menos coisa, entre limite do arame farpado e a orla da mata.
Durante o dia, o calor intenso transformava em martírio as duas horas de cada quarto de sentinela, fazendo com que alguns procurassem um pouco de sombra no chão por debaixo do posto.
Contudo, à noite era muito mais penoso. O frio no tempo do cacimbo, o desconforto de um homem só no meio da escuridão enquanto outros dormiam e o desejo do conforto de uma enxerga, tornava quase em castigo o trabalho de garantir a segurança dos
demais. Ainda para mais, durante a noite, era preciso reforçar a vigilância colocando um homem em cada um dos postos existentes. E como a rendição ocorria a cada duas horas, por cada posto eram necessários homens suficientes para garantir o reforço desde as oito horas da noite até às oito da manhã do dia seguinte. Ou seja, seria necessário a quase totalidade do efectivo de um grupo de combate para assegurar a vigília.
Ora uma companhia apenas tem quatro grupos de combate e como um estava em permanência no destacamento do Rivungo, isso significava que em média cada homem teria de estar de sentinela, à noite, pelo menos de três em três dias.
O pior era quando um dos grupos era destacado para uma das frequentes operações que constituíam a nossa principal missão naquelas bandas, passando dois, três e por vezes quatro dias a deambular pela mata.
Os que ficavam teriam de garantir a segurança, agora mais premente, dada a redução dos efectivos. Feitas as contas, era quase certo que os que ficavam tinham garantido um quarto de sentinela, noite sim, noite sim, pelo menos enquanto durasse a operação.
Numa dessas alturas, competindo a segurança ao meu grupo de combate e tendo eu acabado de afixar a escala de sentinelas que elaborara com muito cuidado, sou interpelado por um dos soldados que, tendo estado de reforço na noite anterior se revoltava ao ver o seu nome de novo na escala para a noite seguinte.
Procurei explicar que, estando quase dois pelotões na mata, isso iria acontecer também no dia seguinte e que o mesmo se passava com os outros. Não havia alternativa, conforme parecia claro de acordo com as listas constantes da folha de papel que exibia.
Mas nada o convencia. Que não podia ser! Alguém estaria de certeza a ser beneficiado e isso só poderia significar que eu tinha qualquer mala-pata contra ele.
Tentei acalmar o homem, expliquei que não, mostrei as escalas anteriores e procurei que percebesse que não havia solução.
Não convencido e com ar nitidamente agastado, virou costas e com um gesto de resignação, desabafou.
- O meu furriel é que sabe ... você é que leu os livros!
E, retirou-se remoendo impropérios, não sei se a mim, se à sua sorte.
A hipótese de um ataque ao aquartelamento não era ficção e não podia nunca ser encarada com leviandade. Aliás, o ideal seria pautar o nosso comportamento considerando como altamente provável a ocorrência de um ataque. Erro seria admitir o contrário, mesmo sabendo que isso não

Assim, era imperioso que uns se encarregassem da segurança dos outros, especialmente enquanto dormiam. Sim, alguém tinha de ficar permanentemente acordado, tarefa que competia, em primeira linha, aos praças de acordo com a escala de serviço. Em segunda linha, ao sargento-de-dia, cuja missão era velar por quase tudo o que se passava no aquartelamento no espaço de 24 horas, incluindo as rondas nocturnas por todos os postos de sentinela procurando garantir que ninguém dormia no posto.
Relativamente ao serviço de sargento-de-dia e considerando que éramos cerca de uma dúzia, a tarefa era mais suave. Doze dias de intervalo entre cada serviço garantiam pelo menos onze noites de sono sem interrupções. Mas no que toca aos praças, a coisa era bem mais penosa.

Durante o dia, apenas eram escaladas duas sentinelas, uma cobrindo o lado da pista e outra garantindo segurança à parte de trás que confinava com a mata que, por razões de segurança se procurava manter desbastada de forma a garantir uma faixa desmatada de cerca de 100 metros, mais coisa menos coisa, entre limite do arame farpado e a orla da mata.
Durante o dia, o calor intenso transformava em martírio as duas horas de cada quarto de sentinela, fazendo com que alguns procurassem um pouco de sombra no chão por debaixo do posto.
Contudo, à noite era muito mais penoso. O frio no tempo do cacimbo, o desconforto de um homem só no meio da escuridão enquanto outros dormiam e o desejo do conforto de uma enxerga, tornava quase em castigo o trabalho de garantir a segurança dos

Ora uma companhia apenas tem quatro grupos de combate e como um estava em permanência no destacamento do Rivungo, isso significava que em média cada homem teria de estar de sentinela, à noite, pelo menos de três em três dias.
O pior era quando um dos grupos era destacado para uma das frequentes operações que constituíam a nossa principal missão naquelas bandas, passando dois, três e por vezes quatro dias a deambular pela mata.

Numa dessas alturas, competindo a segurança ao meu grupo de combate e tendo eu acabado de afixar a escala de sentinelas que elaborara com muito cuidado, sou interpelado por um dos soldados que, tendo estado de reforço na noite anterior se revoltava ao ver o seu nome de novo na escala para a noite seguinte.
Procurei explicar que, estando quase dois pelotões na mata, isso iria acontecer também no dia seguinte e que o mesmo se passava com os outros. Não havia alternativa, conforme parecia claro de acordo com as listas constantes da folha de papel que exibia.
Mas nada o convencia. Que não podia ser! Alguém estaria de certeza a ser beneficiado e isso só poderia significar que eu tinha qualquer mala-pata contra ele.
Tentei acalmar o homem, expliquei que não, mostrei as escalas anteriores e procurei que percebesse que não havia solução.
Não convencido e com ar nitidamente agastado, virou costas e com um gesto de resignação, desabafou.
- O meu furriel é que sabe ... você é que leu os livros!
E, retirou-se remoendo impropérios, não sei se a mim, se à sua sorte.
