quarta-feira, 1 de maio de 2013

Chegaram os maçaricos

A notícia da iminente chegada dos maçaricos provocou uma revolução na Neriquinha. Não daquelas que visam a tomada do poder ou contestar a ordem reinante, mas uma outra, de natureza mais pacífica, uma revolução que operou mudanças significativas nos comportamentos e hábitos quotidianos que ao longo do tempo foram definindo uma certa forma de estar cauterizada pela pasmaceira desgastante de um local onde as alternativas de ocupação do tempo eram escassas.
Num primeiro momento a notícia correu de boca em boca, levada a cada recanto e repetida numa sucessão de mensagens gritadas, esfuziantes, fazendo explodir por todo o lado manifestações de júbilo e correrias de um lado para o outro. Uma notícia lançada ao vento como se uma espécie de armistício estivesse a ser anunciado.
-Vêm aí os maçaricos!
A boa nova foi repetida vezes sem conta, como se uns fizessem questão de convencer outros de que o dia, há tanto tempo esperado, vinha aí.
- É verdade, não é tanga! Os maçaricos estão quase a chegar.
Insistiam uns, procurando convencer os mais incrédulos. Sim, porque, agarrando-se à máxima de que quando a esmola é muita o pobre desconfia, alguns, permanecendo na dúvida, lançavam-se na demanda de fonte mais fidedigna.
- Oh meu alferes, é verdade que vêm aí os maçaricos?
Outros, pelo contrário, não duvidando nem um pouco, partiam logo para a euforia como se a chegada fosse no dia imediato sem que alguém se tivesse lembrado sequer de perguntar qual o dia exacto da rendição. Os maçaricos vinham aí e pronto, o resto não passava de bagatelas sem interesse.
A boa nova foi como uma lufada de ar fresco. A Neriquinha ganhou vida e um frenesim nervoso apoderou-se de quase tudo. Como por magia, um arremedo de vitalidade contagiante transformou a pasmaceira do costume num corrupio, como se, de repente, todos tivessem que fazer ou o tempo urgisse, em nítido contraste com a quietude peganhenta que há muito se instalara, muito por força do calor e do pouco que fazer que, por aquelas bandas, não ia além das andanças na mata, dos quartos de sentinela e das rondas nocturnas, entre outras ocupações semelhantes. Como por magia, a notícia matou a indolência e a pasmaceira, ao mesmo tempo que o lânguido sossego de sonecas preguiçosas deu lugar a uma azáfama anormal que há muito não se via por ali.
É verdade, uma mudança repentina determinou que, de um tempo em que a ninguém apetecia fazer o que quer que fosse, passou-se para um estado de azáfama total como se a iminência de sair dali tivesse libertado a adrenalina que pôs toda a gente a fazer qualquer coisa. E não eram apenas tarefas de arrumar as coisas. O quotidiano modorrento transformou-se, num ápice, num nervoso miudinho, um fervilhar de emoções, um gesticular impaciente de gente que, ao longo de dezoito meses, se foi habituando a tratos de polé com muita resignação à mistura e uma boa dose de solidão. Sim, todos aguardavam aquele dia como se fora o limiar da partida para o paraíso na certeza de que, a partir dali, a vida passaria a ser um mar de rosas com as mordomias da civilização à mão de semear, coisa que não era de somenos importância já que, para a maioria daquelas cerca de cento e cinquenta almas seria a primeira vez em dezoito meses que punham o pé fora da Neriquinha e arredores.
Entre as coisas a fazer, estava, talvez em primeiro plano, a preparação de uma adequada recepção aos maçaricos. Tinha de ser uma coisa em grande, um espectáculo memorável, algo mais bombástico do que a recepção que os velhinhos nos armaram dezoito meses atrás. Acima de tudo, era preciso deixar aos maçaricos a sensação de que acabavam de aterrar no inferno, um local pouco amistoso, onde imperava um ambiente capaz de desatarraxar os parafusos da caixa dos miolos a qualquer um.
O facto é que, por aquela altura, já uns quantos manifestavam sintomas de terem os circuitos do raciocínio afectados pelo clima. Marados dos cornos, com o discernimento já meio baralhado em consequência da permanente exposição às agruras do clima. Cacimbados, como então se dizia.
Atarefaram-se, lançaram mãos a tudo o que pudesse contribuir para o espectáculo, esmeram-se, deram largas à imaginação e com denodado empenho construíram um cenário de doidos. Agarraram numa caixa de madeira, acoplaram-lhe, desencantadas não sei onde, duas bobinas vazias, uma à frente e outra atrás, fixaram-lhe um tosco tripé e ficou pronta uma câmara de filmar sui generis. Depois, montaram tudo em cima de um unimog, vestiram os trajes femininos que usaram no último carnaval e assim compuseram uma equipe de filmagem pronta a fazer a reportagem de tão importante evento.
Chegou finalmente o tão desejado dia “D”, o dia em que chegaria a primeira leva de maçaricos, exactamente o segundo dia daquele inesquecível mês de Maio do ano de 1972. Todos madrugaram, se calhar nem dormiram convenientemente e, mal despontou o sol, que ali nascia bem cedo, foram saindo da caserna com a certeza mais que certa de que a fuga daquele purgatório estava por dias.
Nunca como então houve tantas sentinelas mirando o céu. Todos olhavam o horizonte, com impaciência, perscrutando o azul celeste na direcção que sabiam ser aquela de onde surgiria o Nord carregando aqueles que tomariam, a partir de então, os nossos lugares naqueles terras esquecidas do mundo.
Foi uma longa espera, que a impaciência se encarregou de prolongar ainda mais. A ansiedade foi crescendo à medida que o tempo passava e o Nord tardava. A vida quase parou com todos a postos para o grande momento até que soou o primeiro alarme.
-Lá vêm eles!
O ponto negro, já visível no horizonte, foi engrandecendo à medida que se aproximava até se tornar bem nítida a silhueta familiar do Nord Atlas na sua rota descendente em direcção ao topo norte da pista onde aterrou no meio de uma nuvem de pó avermelhado, evoluindo até se imobilizar no lugar do costume, enquanto um segundo aparelho se fazia à pista com mais uns quantos.
Toda a gente se precipitou em direcção à pista incluindo a improvisada equipe de filmagem que, a cavalo do pequeno unimog, se esforçava por manter o equilíbrio da caixa de madeira ali transformada em máquina de filmar sem câmara nem fita.
Um burburinho expectante enchia o ar enquanto se abria a pequena porta da aeronave e um elemento da tripulação fazia descer a pequena escada por onde sairiam os pobres diabos que nos vinham render. E, no exacto momento em que um camuflado novinho em folha assomou à porta e meio atordoado, num movimento hesitante começou a descer os degraus, uma gritaria esfusiante tomou conta do lugar ao mesmo tempo que cada um se esforçava por parecer o mais alucinado possível num misto de loucura e contentamento.
A compor o ramalhete, o Braga, trajando uma fatiota de mulher saloia, conduzia o unimog transformado em carro de reportagem; o Comandos, de mini-saia, procurava equilibrar-se agarrado àquela coisa que pretendia simular uma máquina de filmar; a seu lado, o Campino trajava uns farrapos quaisquer mais parecendo um foragido do manicómio. À volta, misturados com a restante plateia, outros, com fatiotas femininas vindas não sei donde, animavam o ambiente num verdadeiro teatro de loucos.
No meio de toda aquela loucura, os novos habitantes da Neriquinha, alguns com o ar mais infeliz do mundo, olhando em volta sem saber para onde se dirigir, iam sendo guiados, quase empurrados, bombardeados por explicações atabalhoadas vindas de todo o lado. Toda a gente ia contando, indicando, explicando, descrevendo, pintando de negro o que, doravante, seria a vida que iriam ter naquele rincão perdido das areias quentes das Terras-do-Fim-do-Mundo.
Não o fiz de propósito, mas a coincidência aí está: amanhã, dia 2 de maio, faz exactamente 40 anos que aquele Nord aterrou na Neriquinha anunciando a boa nova. Estava por dias o fim do nosso calvário de mais de dezoito meses de privações e sofrimento.


12 comentários:

Anónimo disse...

Completam-se hoje quatro dezenas de anos (Ena! como o tempo passa!) sobre a data em que os cacimbados "VCC" da N'riquinha receberam, em clima de grande festa, os "mikes" que nos iam render. Foi, de facto, um acontecimento que me ficou bem marcado e que revivi aquando do tratamento digital das fotos mas, principalmente, ao ler o texto!

A coincidência da data da publicação surpreendeu até o autor desta belíssima crónica!


Vai um abraço para todos os camaradas!!

Óscar Morais

Egidio Cardoso disse...

podem ter a certeza que não foi planeado.
A ver vamos como corre o próximo episódio da saída da Neriquinha

Anónimo disse...

A chegada dos maçaricos - 1ª. companhia de caçadores do B.Caç.5012 - passadas umas horas após a partida do Grafanil/Luanda. Despejados nas terras do fim do mundo. Após os primeiros passos, com as pegadas visivelmente marcadas naquela terra vermelha, poeirenta e fina, que mais parecia um planeta que não a Terra. Não fosse o aglomerado de pessoal gritando e saltando esfuziadamente, imaginava-se ter aterrado em marte ou outra coisa qualquer. A ansiedade, os nervos e... o medo ... que acredito, aconteceu convosco quando ali chegaram e que estavam presentes nas jovens mentes.
Ali estavamos nós, de camuflados novinhos e a brilhar, para render os "velhinhos" da Neriquinha - C.C.3441 - com muito cacimbo em cima - "cacimbados".
A transbordante, hilariante loucura e alegria, passados que seriam 18 meses, na vossa rendição, que colmatava com a nossa chegada. Para nós era a mais profunda tristeza. Outro ciclo iria começar. Exata e precisamente, os mesmos dezoito meses que penosamente e carregados de tédio vocês viveram. Tudo se iria repetir de igual modo, pouca diferença haveria no dia a dia de uma companhia de caçadores naquelas terras. Não havia muito para variar num local como aquele. A máquina da guerra assim o exigia. Uma cópia quase exata dos ambientes militares vividos pelos antecessores e assim sucessivamente tudo a bem da Nação.
Porque já lá vão 40 anos. A minha memória não ajuda nada em relação à nossa chegada.Despejados que fomos pelo "barriga de ginguba", que revi nas fotografias da autoria do O.Morais, do "evento", com fundo dos NordAtlas, onde reconheci alguns camaradas da minha companhia. Tal era o vazio na minha cabeça, devido aquela pressão que pairava - a alegria de uns v. tristeza de outros - não recordo muitos pormenores. Naquela multidão louca, lembro da "máquina de filmar" com os dizeres RTP, que ficou guardada nas instalações "O chiado" e mais tarde fizemos algumas fotografias com ela. A noite, claro foi barulhenta, grande parte do pessoal da 3441, tinha enfiado umas Cucas e Nocais e era caso para isso! Vamos embora deste buraco e que se lixem estes gajos. Passados os 18 meses, fizemos o mesmo! Como atraz disse - a história quase que se repete. Tal era a rotina.
Depois, a tomada de posse. Cada qual assumiria as funções que lhe eram atribuidas, todos ao seu posto. Demos seguimento ao vosso legado. Dissemos bem e mal dos "velhinhos". Pela minha parte, o que disse mal, foi, como aliás já comentei com o Cardoso, a bendita da herança deixada na caserna dos furrieis, os repugnantes bichinhos, tais como as pulgas, baratas e percevejos. Problema resolvido após vocês partirem. Todas as camas na parada, regadas com gasolina, DDT e criolina nas instalações para matar aqueles hóspedes indesejáveis. Talvez alguém comentasse: Quem vier atraz que feche a porta!
Terminada que está esta vossa narrativa das aventuras e desventuras, feitos e glórias da 3441, na Neriquinha, quero agradecer-vos, por me terem remetido ao passado, recordando cenas, atos, locais e pessoas, nomeadamente os guenguelas maxiririca, naquele curto espaço de terra e pasmaceira, longe de tudo e de toda a civilização, situada nos "cus de judas" como alguém escreveu, acerca do Leste de Angola na guerra colonial. E que hoje já não existe. Ficam as nossas memórias... e fotografias, tal como as vossas, parecem quase duplicados, só mudando os protagonistas.
Grande abraço e boa viagem até às Mabubas.
Fernando Simões

Gabriel Costa disse...

Caro Fernando Simões
O tempo passa, algumas recordações assombram-nos a memória através dos anos, mas, a nossa vida, é feita dessas coisas. Num lugar como aquele, as histórias de quem passou antes de nós e de quem nos seguiu, não devem, na verdade ser muito diferentes. Recordá-las e contá-las, é um legado que deixamos aos nossos filhos, que, espero bem, nunca passarão por situações idênticas, embora outra tipo de guerra diária e desgastante os aguarde. N´Riquinha é um marco para centenas de portugueses que por ali passaram ao serviço de Portugal. Passados estes anos ainda não consigo definir se foi por uma boa ou por uma má causa, mas, para a historia da minha vida, isso não conta. Era a época, vivemos o tempo. Recordo com saudades todos os momentos. Porquê, não sei! Quando criei este blog, que o Egídio Cardoso tão brilhantemente alimenta, senti que era um dever fazê-lo. O seu comentário, é um post que merece ser lido como tal. Obrigado pela "participação". Abraço e volte sempre. Gabriel Costa

Egidio Cardoso disse...

Olá Simões.
Para aqueles que não sabem, o Fernando Simões foi o “Vaguinho” da companhia que nos rendeu, ou seja, aquele que sucedeu ao Morais, por acaso o autor das fotografias que ilustram este post.
Apraz-me registar que continuas a visitar-nos, com a particularidade deste teu comentário ser absolutamente pertinente e, como diz o Gabriel Costa, deve ser lido e digerido. Com efeito a história repete-se e este comentário é disso prova cabal.
De facto, o que dizes poderia ser integralmente transposto para dezoito meses atrás. Nós também, para umas coisas, maldissemos os velhinhos, para outras, já nem me lembro.
Por exemplo: quando chegámos, o motor que puxava água do furo para o depósito, não funcionava. Durante uns tempos foi preciso ir buscá-la em bidões a alguns quilómetros dali. A câmara frigorífica do depósito de géneros estava encaixotada tal como tinha chegado e não tina sido feito o que quer que fosse para a por a funcionar. Para nós a culpa era dos velhinhos que nada fizeram. Pois, digo hoje, para quê se não iam usufruir disso?
É assim que, maldizer os nossos velhinhos foi nosso entretém por uns tempos. Depois esquecemos, se calhar porque se compreendeu que não podia ser de outra forma: estávamos ali conta a nossa vontade, mal instalados, mas felizmente por um tempo relativamente curto. Quando a missão estava perto do fim, a ideia de que não se tiraria benefício do que se fizesse, conduzia àquela máxima de “quem vier atrás que feche a porta”.
Creio que deixo isso claro no post anterior.
Meu caro Simões, creio que valerá a pena continuar a seguir-nos. Nem que seja para ver o que sentimos quando fomos colocados nas Mabubas que, comparativamente à Neriquinha, era uma verdadeira e luxuosa estância de férias.
Lá chegaremos.
Um abraço e desculpa lá os percevejos. Não fomos nós que os levámos para lá. Também os herdámos.

Anónimo disse...

Gabriel Costa
Concordo consigo e agradeço o seu comentário. Embora tenha sido obrigatória a prestação daquele serviço a favor da Pátria. Por uma boa ou má causa, será discutível e não compete aqui julgar. Alguns ensinamentos se colheram e aplicaram nesta vida ao longo destes 40 anos e por aí adiante.

Egídio Cardoso
Agradeço igualmente a minha reapresentação - Um pormenor - não fui "Vaguinho" fui "Furriel aramista" sim, mas a minha guerra eram as transmissões.
Até às Mabubas! O tal bombom que nos davam ao fim de bastantes meses de mato. Para nós, fomos contemplados com O Farol das Lagostas, mesmo à saída de Luanda. Dava para ir à praia e até à Mutamba beber uns canecos, com certeza ambiente idêntico para vós. Aguardo os postes.
Abraço
Fernando Simões

Egidio Cardoso disse...

É claro que o simões era o homem das transmissões, já tínhamos falado disso antes.
Não sei porque raio havia agora de o colocar à frente dos "comes".

Fica então a rectificação:
O Fernando Simões sucedeu ao Fernando Gameiro no controlo das transmissões.

A.R. disse...

Continuo um leitor incondicional. Abraço

Anónimo disse...

Olá EGIDIO E G. COSTA
Mais uma vez me perdi aqui por estas leituras de recordação de tempos passados....

Destas últimas leituras tomei conhecimento dum facto que me entristeceu.
Tanto aqui como noutro comentário sobre o "bacalhau", se refere que a bomba do furo ficou inactiva durante algum tempo após a nossa partida. Pois....nós também vivemos quase dois meses com essa bomba avariada.
Aconteceu algures em Agosto (em data que não consigo lembrar com exactidão), após a colocação do gerador Perkins-Leroy na casota... supostamente sub-terranea.
Quando avariou, ficamos frustados a ver a água ali a 3 ou 4 metros de profundidade.....mas dentro daquele malfadado furo.
Como retirá-la daquele furo, foi o grande desafio.....
Procurando todas as alternativas, encontramos na arrecadação do "Mané-Mané" um conjunto Pachancho (motor-bomba), mas cujo motor estava "pifado".....
Mas, havia uma bomba de sucção, já era algo...
Como por a bomba a rodar? foi o passo seguinte.
Aí construímos um tambor em madeira que conseguimos acoplar ao veio da bomba. Depois tivemos que "inventar" uma forma de acionar esse tambor. Entre algumas sugestões fizemos um teste,....encostando uma roda traseira dum jipe, prendendo a outra roda e usando o diferencial manter a outra roda livre em movimento.
Engatado em 1ª, com o motor ao ralenti, encostando levemente a roda ao tambor...."aquilo rodou maravilhosamemte...."
Passamos á fase de teste no furo com mangueira de sucção de sete metros.....e não é que começou logo a chupar água!!!
Poderão imaginar a alegria de todo o pessoal, quando a água começou a correr abundantemente duma mangueira de duas polegadas apoiada no tecto da casota ao lado do furo.
A dúvida seguinte, era saber qual o decréscimo do nível dentro do furo, pois sabíamos que se baixasse dos 7 (ou 7 e picos), metros, não haveria mais sucção...
De facto observamos que havia um abaixamento para os 4 a 5 metros, mas não baixava mais.....
Como disse atrás, ficamos cerca de 2 meses a viver desta maneira quanto ao abastecimento de água. Nunca chegamos a usar os bidons... Entretanto eu vim férias ao "Puto" no final de Setembro e quando regressei, tive conhecimento ao chegar ao Luso que íamos ser rendidos.
Quando cheguei novamente á N'riquinha, tive conhecimento que durante a minha ausência tinha sido fornecida e instalada uma nova bomba eléctrica que estava a funcionar na perfeição.
Passei uma semana de bastante trabalho a preparar a transferência das viaturas e materiais e quando saímos estava tudo normal com a sistema de abastecimento de água. Só agora tomei conhecimento de nova avaria.
A tal bomba do "pachancho", retornou a arrecadação do n/ 1º sargento Manuel Mendes Mandeiro, entre nós o "Mané-Mané".
Lamento agora o facto de não termos feito uma demostração daquela solução alternativa....
Até breve e 1 abraço.
J.R. Ferreira, Ex-Fur. Mec. da 2778
jrferreira@tap.pt
jose.rodrigues.ferreira@sapo.pt

Pedro Cabrita disse...

Este comentário do nosso amigo José Rodrigues Ferreira onde nos conta a saga da moto-bomba da Companhia que viemos a render na N'riquinha, é um retrato fiel da nossa capacidade de improviso (o nacional desenrascanço) e, em grande parte, a razão pela qual conseguimos suportar uma guerra em três frentes sob a inclemência de um clima adverso e condições de sobrevivência a que poucos povos resistiriam mais de dois ou três meses.
Deliciei-me com a sua leitura e seria, para nós e para o blogue, muito interessante que nos trouxesse outros episódios dos tempos ali passados, cujos contornos seriam necessariamente fascinantes para nós.

A moto-bomba.
Bem; já lá vão 42 anos... Pode haver por aqui uma ou outra falha. Mas do que recordo a moto-bomba foi-nos entregue a trabalhar. Quase me apetecia colocar o "trabalhar" entre aspas... Trabalhava a espaços.
Lembro-me do Gabriel ter lá metido o Bacalhau (à sombra do telheiro e sentado; bem melhor que ao sol de volta das Berlietts) e do bom malandro do Bacalhau colocar aquilo a funcionar, mas a espaços. Cada vez que trabalhava o Bacalhau era o maior e levava palmadinhas nas costas; no dia seguinte... pifava. Havia quem dissesse que o Bacalhau montava o esquema nesse mesmo sentido. Ou seja; aquilo trabalhava um ou dois dias e depois lá voltava o bom do artista Bacalhau para a sombra do telheiro por mais uns tempos e o Lobato e companhia de volta das viaturas... ao sol.
Já não me recordo como nem quem, mas alguém me chamou à atenção para esse estratagema do Bacalhau. Averiguadas as coisas concluiu-se, (se não estou em erro com a ajuda do Gabriel) que aquilo era bem capaz de ter algum cunho de verdade.
Analisada assim a questão concluiu-se que a moto-bomba tinha mesmo os dias contados e nós contávamos os dias que tínhamos pela frente por muitos e maus...
Durante algum tempo, que não consigo precisar, lá andámos a carregar água em bidões duma nascente junto dumas lavras para sul da N´riquinha.
Entretanto foi enviado para Luanda uma mensagem bastante dorida (se não estou em erro conjugando a falta de água com a falta de iluminação, com a referência à falta de segurança e abaixamento da moral do pessoal; convinha colocar os generais com a responsabilidade em cima dos ombros) e passados não muitos dias lá chegaram os holofotes e uma bomba de água eléctrica submersível. Uma máquina.
E assim se enterrou em definitivo a malfadada moto-bomba.

O furo (efectuado ou que já existia, já não recordo bem) tinha cerca de 120m de profundidade e a água era pura. Era uma água muito rica em ferro. Há fotos na messe com garrafas com o vidro acastanhado do ferro e a água nos copos cristalina.
Como se lembram, todos os meses era obrigatório enviar para Luanda uma amostra da água em consumo para análise. A resposta foi sempre: "Água potável que pode ser consumida sem necessidade de qualquer aditivo".

Um abraço

P Cabrita

Anónimo disse...

Olá PEDRO CABRITA
Após um "alerta" do EGIDIO que recebi ontem, voltei a visitar este v/ local de partilha de memórias que muito tenho apreciado.
A v/ equipa de "bloguistas", tem uma magnifica veia literária que permite uma agradável leitura, e é uma interessante forma de recordar a vivencia daqueles tempos.

Claro que terei todo o gosto em tecer mais alguns comentários e informações sobre os tempos vividos naquelas "terras do fim do Mundo", logo que tenha mais algum tempo disponível.
1Abraço
Jrferreira
Ex-Furr. Mec. da 2778

Pedro Cabrita disse...

Caro JR Ferreira

Só um breve esclarecimento ou concisão.
A "equipa de bloguistas" resume-se praticamente ao trabalho do nosso companheiro Egídio Cardoso, responsável pela quase totalidade das intervenções ali publicadas, enquanto os outros dois "contribuintes" ali registados pouco ou quase nada vêm contribuindo para a brilhante ilustração do blogue da C.Caç. 3441.
Esta um explicação devida que não podia deixar de prestar.

Com o nosso abraço ficamos à espera de algumas das vossas histórias.

P. Cabrita