Como provavelmente a maior parte já se deu conta, este ano gerou-se um conflito de organização de encontros, que estamos a procurar resolver a contento de todas as partes.
O companheiro João Águas, da C. Caç. 3442, vinha manifestando há mais de um ano o propósito de promover um encontro a nível do Batalhão. Uma organização complexa, mas que o J. Águas se propôs levar em frente.
Ocorre que, por motivos que não importam agora avaliar, não foi possível promover uma conciliação de propósitos de modo juntarmo-nos ao evento organizado pelo João Águas. Por esse motivo, todos terão recebido duas cartas: uma para Chaves e outra, mais recente, para Fátima.
Assim e para atalhar caminhos, importa agora informar que se tentou resolver o impasse, mas sem sucesso.
Assim; mantém-se marcado o evento para Chaves.
Mas, se alguém quizer ir a Fátima, o evento vai permitir, pela primeira vez a reunião das quatro companhias do batalhão 3857 onde estará o 2º comandante do batalhão, Ex- Major Caetano (hoje general).
O encontro será no dia 29 de Maio no Largo da Cruz Grande (lado direito do Santuário de Fátima) onde será celebrada missa por alma dos falecidos do batalhão.
O almoço terá lugar no restaurante TRUÃO, a 5 Km na estrada de Minde.
As inscrições para o encontro deverão ser feitas até ao dia 15 de Maio:
- Por SMS para o 96 582 34 91 – com o seguinte texto: “C.Caç. 3441 – Nome do participante (x pessoas)”
- Directamente para os telefones: 96 582 34 91 (João Águas de Faro) ou 96 793 56 48 (Carlos Almeida de Vila Real)
- Por email – mailto:joaoaguas@gmail.com ou carlosacalmeida@hotmail.com - indicando sempre o Nome, Companhia e nº de pessoas.
Contamos com a vossa presença
Memórias das aventuras e desventuras de 140 militares que, em Novembro de 1971, armados de G3, foram largados num ermo algures no meio das remotas savanas das terras-do-fim-do-mundo nos confins de Angola
quarta-feira, 28 de abril de 2010
terça-feira, 20 de abril de 2010
A BARBEARIA
Se outra coisa não houvesse, as rígidas regras do atavio militar obrigariam à existência de uma barbearia. Na Neriquinha havia uma, logo ali nas traseiras do depósito de medicamentos localizado ao lado da messe de oficiais.
E tendo de haver uma barbearia, também teria de haver um barbeiro, mas alguém que na vida civil já tivesse exercido a profissão, já que, se bem me lembro, esta especialidade não era ensinada na tropa.
O problema é que, com vinte anos, a experiência de quem quer que tivesse sido profissional da arte, seria pouca ou nenhuma no manuseio de ferramentas mecânicas de cortar cabelo, já que ainda não tinham sido inventadas as movidas a electricidade. E, se as houvesse, de pouco serviriam, já que, electricidade era um bem raro que apenas estava disponível do cair da noite até à hora do recolher e, ainda assim, sujeito aos humores e achaques do pequeno gerador.
Recordo, contudo, que nem toda a gente recorria aos préstimos do barbeiro encartado, cuja especialidade oficial era a de corneteiro, arte para a qual também não revelava jeito especial. Era uma situação igual a tantas outras na tropa. Os estrategas escolhiam quem bem entendiam para o desempenho de ofícios vários sem se preocuparem se os seleccionados tinham vocação ou não. Mas enfim, tudo se passava sem grandes problemas, recorrendo-se amiúde à arte maior do desenrasca. Apenas se barafustava quando o cozinheiro feito à força se revelasse um clamoroso erro de casting o que, para nossa desgraça, acontecia mais vezes do que seria de desejar.
Bem, voltando à barbearia, a verdade é que, ao fim de algum tempo, muitos se aperceberam que o corneteiro, para além de não ter jeito para a corneta, também não tinha para cortar cabelo, transformando a ida à barbearia em sacrifício, agravado pelas mal afiadas ferramentas, rombas de tanto mau trato.
Mas o problema haveria de ser minimizado pelo cabo Vilela. Radiotelegrafista, com jeito para muita coisa, viu-se transformado no homem dos sete ofícios capaz de tudo concertar. Revelando um jeito muito especial para convencer o gerador a não fazer birras, também dava uma perninha em coisas tão díspares como sejam, a arte da fotografia e, está bem de ver, a de cortador de cabelo.
E é assim que a barbearia, pelas mãos do Vilela, saiu do seu cubículo escondido atrás do armazém de medicamentos e instalou-se ao ar livre, perto do balneário, com uma crescente clientela a entregar-se nas mãos do improvisado artista que não perdia a oportunidade de inventar cortes da moda, muito apreciados pelas hierarquias militares.
Como ferramentas, apenas uma tesoura (arranjada não sei onde) e um pente.
E tendo de haver uma barbearia, também teria de haver um barbeiro, mas alguém que na vida civil já tivesse exercido a profissão, já que, se bem me lembro, esta especialidade não era ensinada na tropa.
O problema é que, com vinte anos, a experiência de quem quer que tivesse sido profissional da arte, seria pouca ou nenhuma no manuseio de ferramentas mecânicas de cortar cabelo, já que ainda não tinham sido inventadas as movidas a electricidade. E, se as houvesse, de pouco serviriam, já que, electricidade era um bem raro que apenas estava disponível do cair da noite até à hora do recolher e, ainda assim, sujeito aos humores e achaques do pequeno gerador.
Recordo, contudo, que nem toda a gente recorria aos préstimos do barbeiro encartado, cuja especialidade oficial era a de corneteiro, arte para a qual também não revelava jeito especial. Era uma situação igual a tantas outras na tropa. Os estrategas escolhiam quem bem entendiam para o desempenho de ofícios vários sem se preocuparem se os seleccionados tinham vocação ou não. Mas enfim, tudo se passava sem grandes problemas, recorrendo-se amiúde à arte maior do desenrasca. Apenas se barafustava quando o cozinheiro feito à força se revelasse um clamoroso erro de casting o que, para nossa desgraça, acontecia mais vezes do que seria de desejar.
Bem, voltando à barbearia, a verdade é que, ao fim de algum tempo, muitos se aperceberam que o corneteiro, para além de não ter jeito para a corneta, também não tinha para cortar cabelo, transformando a ida à barbearia em sacrifício, agravado pelas mal afiadas ferramentas, rombas de tanto mau trato.
Mas o problema haveria de ser minimizado pelo cabo Vilela. Radiotelegrafista, com jeito para muita coisa, viu-se transformado no homem dos sete ofícios capaz de tudo concertar. Revelando um jeito muito especial para convencer o gerador a não fazer birras, também dava uma perninha em coisas tão díspares como sejam, a arte da fotografia e, está bem de ver, a de cortador de cabelo.
E é assim que a barbearia, pelas mãos do Vilela, saiu do seu cubículo escondido atrás do armazém de medicamentos e instalou-se ao ar livre, perto do balneário, com uma crescente clientela a entregar-se nas mãos do improvisado artista que não perdia a oportunidade de inventar cortes da moda, muito apreciados pelas hierarquias militares.
Como ferramentas, apenas uma tesoura (arranjada não sei onde) e um pente.
sábado, 10 de abril de 2010
Almoço anual de confraternização
Tal como tem vindo a acontecer nos últimos 18 anos, vamos realizar o almoço anual de confraternização dos ex-militares da 3441. É sempre no último sábado do mês de Maio.
Este ano a organização ficou a cargo do João de Sousa (ex- 2º sargento) e por isso será em Chaves.
Local:
Albergaria Borges (vê na Internet)
Estrada Nacional nº 2
Outeiro Jusão
Chaves
Dia: 29-Maio-2010
Hora: 13 horas
Ementa:
Entradas:
Paté da casa, azeitonas, bolos de bacalhau, rissóis, presunto, camarão.
Carne:
Misto de cabrito e vitela assada no forno e feijoada à transmontana
Sobremesas:
Sobremesas variadas da casa, frutas laminadas (buffet)
Bebidas:
Vinhos maduros e verdes reserva da casa (brancos e tintos), refrigerantes variados, água
Café.
Preço: 25,00€ por pessoa
Para quem quizer ficar em Chaves e dar uma volta pelas redondezas pode pernoitar na Albergaria. O preço do Alojamento é de 40,00€ por casal, com pequeno almoço incluído.
Importante:
Confirmar a presença até ao dia 12 de Maio, para:
João de Sousa
Telefone: 276 327 367
Móvel: 939 577 970
Este ano a organização ficou a cargo do João de Sousa (ex- 2º sargento) e por isso será em Chaves.
Local:
Albergaria Borges (vê na Internet)
Estrada Nacional nº 2
Outeiro Jusão
Chaves
Dia: 29-Maio-2010
Hora: 13 horas
Ementa:
Entradas:
Paté da casa, azeitonas, bolos de bacalhau, rissóis, presunto, camarão.
Carne:
Misto de cabrito e vitela assada no forno e feijoada à transmontana
Sobremesas:
Sobremesas variadas da casa, frutas laminadas (buffet)
Bebidas:
Vinhos maduros e verdes reserva da casa (brancos e tintos), refrigerantes variados, água
Café.
Preço: 25,00€ por pessoa
Para quem quizer ficar em Chaves e dar uma volta pelas redondezas pode pernoitar na Albergaria. O preço do Alojamento é de 40,00€ por casal, com pequeno almoço incluído.
Importante:
Confirmar a presença até ao dia 12 de Maio, para:
João de Sousa
Telefone: 276 327 367
Móvel: 939 577 970
quinta-feira, 1 de abril de 2010
Férias - O contraste com a civilização
Incontidos desejos e saudades de quase tudo o que deixara para trás impeliam-me a uma fuga da Neriquinha. Mais de nove meses haviam passado desde que, sem data de regresso agendada, fui largado no meio daquela terra de ninguém para onde não confluíam estradas e aonde ninguém estava interessado em ir a não ser que a isso fosse obrigado. E nem o facto de partilhar aquela autêntica viagem à pré-história com mais 140 homens evitou que, de quando em vez, me sentisse na pele de Robinson Crusoé. Não estávamos numa ilha, mas a ausência de tudo e a inexistência de contacto com o mundo exterior quase me convencia do contrário. Um pequenino avião trazendo correio duas vezes por semana, o Nord Atlas às terças-feiras com os frescos e o MVL uma vez por mês com o reabastecimento de tudo o que não era perecível, eram as únicas visitas a que tínhamos direito.
A nossa vida estava confinada a um singelo quadrado delimitado por uma tosca cerca de arame farpado, onde pouco mais de uma centena de homens fardados ou quase, faziam companhia uns aos outros à medida que o calendário se arrastava penosamente na contagem lenta dos dias. À volta, apenas mata, atravessada aqui e ali por picadas formadas pelos rodados das viaturas que, saindo daquela espécie de acampamento, levavam a lugar nenhum.
Vivíamos assim no meio da natureza selvagem, na sua maior parte nunca tocada e sem nada de permeio. Nem muros nem amarras. Apenas uma frágil cerca de arame farpado nos separava da savana imensa. Sair do perímetro e trilhar aqueles caminhos, implicava riscos a exigir cuidados especiais, obrigando a carregar equipamento de combate, nem que a saída se destinasse apenas a recolher, a pouco mais de dois ou três quilómetros, a lenha necessária para a cozinha ou para aquecer o artesanal forno de pão.
Vivia-se assim uma espécie de claustrofobia em campo aberto que alimentava o tédio e condicionava os comportamentos. Sem terem para onde ir, alguns procuravam enganar o juízo vestindo a inútil roupa civil guardada no fundo das malas e passeavam-se enterrando os sapatos na areia para percorrer os escassos 50 metros que separavam a caserna do barracão onde funcionava a cantina. Tudo apenas pelo prazer de beber umas cervejas com indumentária colorida, em busca de memórias das esplanadas da grande cidade.
Por ali não havia mais nada. As localidades mais próximas resumiam-se ao Rivungo e a Mavinga. Mas estas, ficavam a cerca de 7 horas de viagem por picadas empoeiradas e pouco mais tinham do que meia dúzia de barracões cobertos a folhas de zinco onduladas em tudo idênticos aos da Neriquinha. Tirando isso, as cidades mais próximas eram quase inacessíveis; o Luso, a cerca de uma hora e meia de avião e o Cuito Cuanavale, a três ou quatro dias por picada e que ninguém estava interessado em visitar. Mais longe, a cidade de Serpa Pinto, de onde provinha o MVL.
Ao fim de algum tempo, já ninguém se lembrava que, lá longe, existiam lojas, restaurantes, esplanadas e imaginem lá, café … cremoso, tirado à pressão. As saudades que eu tinha de saborear uma bica bem tirada. E um bife na Portugália empapado em molho de mostarda … e … e tudo o mais.
- Será que em Belém ainda fabricam pastéis de nata? Interrogava-me em diálogo com os meus botões.
- E na Trindade, ainda serviriam búzios? E pregos no pão?
O facto é que na Neriquinha não havia nada disto.
Também não havia ruas, nem carros. Logo, trânsito era coisa de ficção. E o mesmo se podia dizer das regras de trânsito. Prioridades, pisca-piscas, ultrapassagens e tudo o mais, eram coisas inúteis. As três berliets e os quatro ou cinco unimogs que constituíam a frota da 3441 andavam por onde fosse preciso, seguindo as direcções que os condutores entendiam ser as melhores, sem preocupações com regras de trânsito. Aliás pensar nisso até seria ridículo.
Assim, o dia-a-dia, monocórdico e quente, não variava. Dormia-se numa camarata, sempre com as mesmas pessoas por companhia. Já se conheciam os diversos timbres do ressonar de cada um e familiares os seus tiques e manias.
- Lembram-se que o Viola dormia de boca aberta?
Um dia, alguém, não me lembro quem, espremeu para dentro da boca do Viola um tubo inteiro de pasta de dentes. Foi uma risada geral quando, engasgado, acordou estremunhado cuspindo violentamente e raispartando contra todos.
Nas andanças de cá para lá, percorrendo os passadiços de tabuinhas construídos para evitar a areia, cruzávamo-nos sempre com as mesmas pessoas.
Ao almoço e ao jantar, ocupava-se o mesmo lugar, sempre na mesma mesa corrida, com as mesmas conversas e tendo por companhia os mesmos companheiros de pernoita.
Discutiam-se futilidades, que ali as novidades não chegavam ou só vinham de quando em vez nas linhas de um aerograma ou ouvidas num rádio roufenho em emissões para entreter militares, insistindo nas velhas cançonetas do Paco Bandeira:
- Lá longe, onde o sol castiga mais …..
Ocupava-se o tempo, com jogos de cartas ou bebendo cerveja directamente da garrafa, que o copo anulava a tímida fresquidão conseguida ao fim de muitas horas dentro do frigorífico alimentado a petróleo e sem capacidade para o ritmo a que eram esvaziadas.
A nossa vida estava confinada a um singelo quadrado delimitado por uma tosca cerca de arame farpado, onde pouco mais de uma centena de homens fardados ou quase, faziam companhia uns aos outros à medida que o calendário se arrastava penosamente na contagem lenta dos dias. À volta, apenas mata, atravessada aqui e ali por picadas formadas pelos rodados das viaturas que, saindo daquela espécie de acampamento, levavam a lugar nenhum.
Vivíamos assim no meio da natureza selvagem, na sua maior parte nunca tocada e sem nada de permeio. Nem muros nem amarras. Apenas uma frágil cerca de arame farpado nos separava da savana imensa. Sair do perímetro e trilhar aqueles caminhos, implicava riscos a exigir cuidados especiais, obrigando a carregar equipamento de combate, nem que a saída se destinasse apenas a recolher, a pouco mais de dois ou três quilómetros, a lenha necessária para a cozinha ou para aquecer o artesanal forno de pão.
Vivia-se assim uma espécie de claustrofobia em campo aberto que alimentava o tédio e condicionava os comportamentos. Sem terem para onde ir, alguns procuravam enganar o juízo vestindo a inútil roupa civil guardada no fundo das malas e passeavam-se enterrando os sapatos na areia para percorrer os escassos 50 metros que separavam a caserna do barracão onde funcionava a cantina. Tudo apenas pelo prazer de beber umas cervejas com indumentária colorida, em busca de memórias das esplanadas da grande cidade.
Por ali não havia mais nada. As localidades mais próximas resumiam-se ao Rivungo e a Mavinga. Mas estas, ficavam a cerca de 7 horas de viagem por picadas empoeiradas e pouco mais tinham do que meia dúzia de barracões cobertos a folhas de zinco onduladas em tudo idênticos aos da Neriquinha. Tirando isso, as cidades mais próximas eram quase inacessíveis; o Luso, a cerca de uma hora e meia de avião e o Cuito Cuanavale, a três ou quatro dias por picada e que ninguém estava interessado em visitar. Mais longe, a cidade de Serpa Pinto, de onde provinha o MVL.
Ao fim de algum tempo, já ninguém se lembrava que, lá longe, existiam lojas, restaurantes, esplanadas e imaginem lá, café … cremoso, tirado à pressão. As saudades que eu tinha de saborear uma bica bem tirada. E um bife na Portugália empapado em molho de mostarda … e … e tudo o mais.
- Será que em Belém ainda fabricam pastéis de nata? Interrogava-me em diálogo com os meus botões.
- E na Trindade, ainda serviriam búzios? E pregos no pão?
O facto é que na Neriquinha não havia nada disto.
Também não havia ruas, nem carros. Logo, trânsito era coisa de ficção. E o mesmo se podia dizer das regras de trânsito. Prioridades, pisca-piscas, ultrapassagens e tudo o mais, eram coisas inúteis. As três berliets e os quatro ou cinco unimogs que constituíam a frota da 3441 andavam por onde fosse preciso, seguindo as direcções que os condutores entendiam ser as melhores, sem preocupações com regras de trânsito. Aliás pensar nisso até seria ridículo.
Assim, o dia-a-dia, monocórdico e quente, não variava. Dormia-se numa camarata, sempre com as mesmas pessoas por companhia. Já se conheciam os diversos timbres do ressonar de cada um e familiares os seus tiques e manias.
- Lembram-se que o Viola dormia de boca aberta?
Um dia, alguém, não me lembro quem, espremeu para dentro da boca do Viola um tubo inteiro de pasta de dentes. Foi uma risada geral quando, engasgado, acordou estremunhado cuspindo violentamente e raispartando contra todos.
Nas andanças de cá para lá, percorrendo os passadiços de tabuinhas construídos para evitar a areia, cruzávamo-nos sempre com as mesmas pessoas.
Ao almoço e ao jantar, ocupava-se o mesmo lugar, sempre na mesma mesa corrida, com as mesmas conversas e tendo por companhia os mesmos companheiros de pernoita.
Discutiam-se futilidades, que ali as novidades não chegavam ou só vinham de quando em vez nas linhas de um aerograma ou ouvidas num rádio roufenho em emissões para entreter militares, insistindo nas velhas cançonetas do Paco Bandeira:
- Lá longe, onde o sol castiga mais …..
Ocupava-se o tempo, com jogos de cartas ou bebendo cerveja directamente da garrafa, que o copo anulava a tímida fresquidão conseguida ao fim de muitas horas dentro do frigorífico alimentado a petróleo e sem capacidade para o ritmo a que eram esvaziadas.
Alguns dedicavam-se à leitura de revistas retardadas, fora de prazo, enviadas pelo Movimento Nacional Feminino que as recolhia nos monos que entupiam os armazéns da Agência Portuguesa de Revistas. Eram revistas de mexericos ou de fotonovelas que ilustravam foleiros contos de amores e desamores da desgraçadinha do costume.
Jornais, ali não chegavam. Certo dia, não sei donde, nem como, uma edição retardada, com mais de 15 dias, do jornal “A BOLA” aportou àquelas bandas. Andou de mão em mão até ficar amarfanhado, roto, amarelecido, sujo e com nódoas de gordura. Creio que não ficou nada por ler. Ninguém se atreveu a atirá-lo para o lixo, acabando abandonado num canto, ali ficando por muito tempo.
Eu tinha que sair dali. Precisava de respirar outros ares e o mês de férias a que tinha direito vinha mesmo a calhar. O Gabriel regressara há pouco tempo depois de um prolongado mês de férias. Pelo menos foi o que nos pareceu, que a ele passou num quase piscar de olhos. Trazia novas do Puto. Um novo filme que contava a história inédita de um tal de Trinitá e do seu cavalo amestrado. E as novas tendências musicais a anunciar o fim da era dourada da década de sessenta.
O Gabriel parecia empolgado e contagiava toda a gente aniquilando a réstia de indecisão que ainda pairava na minha cabeça. Deram-me o contacto de uma agência de viagens em Luanda que tratava de tudo. Volvidas duas semanas, recebi a resposta. Estava tudo tratado e com viagens marcadas. Agora já não podia voltar atrás. Nem queria. Estava demasiado empolgado para pensar em desistir. Na verdade, creio que se não fosse o cansaço não teria conseguido dormir nas noites que faltavam para a partida. A excitação não deixava.
Só era preciso sair dali, já que a Agência apenas garantia a viagem a partir do Luso. Para lá chegar era preciso contar com a boleia do Nord da Força Aérea, às terças.
E assim foi. Em pouco mais de uma hora de viagem, o Barriga de Jinguba deixou-me às portas da civilização, despejando-me no aeroporto do Luso.
Reservei quarto na Pensão Central, que a viagem para Luanda só seria no dia seguinte e percorri as ruas da vila, sentindo-me na pele do saloio que vem à cidade pela primeira vez.
Sentei-me na esplanada do café e pedi uma bica. Mais de nove meses haviam passado desde que bebera a última. Degustei o café em pequenos sorvos de prazer à medida que, mais parecendo um cata-vento, seguia com o olhar tudo o que bulia. Cheguei a recear ser interpelado por alguém que se sentisse ofendido pelo meu ar embasbacado. Fixava qualquer mulher que passasse seguindo-a de longe até a perder de vista e reagia com sobressalto a qualquer buzinadela mais intensa. Na verdade, sentia-me num mundo novo, não obstante o movimento da pequena vila do Leste de Angola ser inferior ao de qualquer cidade de província. Era um facto, já não estava habituado ao bulício urbano.
Um velho Friendship da TAAG, fazendo escala em Nova Lisboa, levou-me até ao bulício de Luanda, deixando-me no aeroporto mais morto que vivo em consequência da atribulada viagem.
Bonita e aprazível, Luanda era uma grande cidade. Cosmopolita e movimentada, quente e luminosa, com muitas esplanadas e cafés, gente, mulheres, de mini-saia, já que o calor e a moda criada pela bendita Mary Quant puxavam as saias bem acima dos joelhos.
A fome levou-me à esplanada do Amazonas onde matei saudades saboreando uns camarões e um suculento prego no pão, mal passado, como eu gosto e bem acompanhado por umas quantas imperiais, fresquinhas, fervilhantes, acabadinhas de tirar.
Ah! O prazer que foi beber a bica, sentado na Versalhes, lendo o jornal do dia. E a volta pela cidade, sem destino ou rumo, apenas pelo prazer de deambular no meio do frenesim citadino.
Percebi que quem vive na cidade e nunca dela saiu, não tem como perceber o que é viver dia após dia no meio de coisa nenhuma.
Não é assim de admirar que a chegada a Lisboa já não tivesse tido aquele impacto. Apenas estranhei a cor acinzentada da cidade, a luz mortiça e a temperatura amena, quase fria, do mês de Setembro. Em África havia calor, luz, cor, espaço.
Sabem! O tempo deve ter passado mesmo a correr naquele mês de férias. Tirando o facto de ter tirado a barriga de misérias e de me embriagar no perfume de mulher, lembro-me de pouco mais. Retenho contudo o facto de no dia do regresso, ter vestido uma camisola de lã de gola alta. O frio do mês de Outubro em Lisboa, impôs essa indumentária.
Desembarquei assim em Luanda com roupa de Inverno e recordo que me senti sufocar de calor quando saí do avião. O trajecto do aeroporto de regresso à Pensão dos Coqueiros foi infernal. Só desejava que o táxi acelerasse. A camisola fazia comichão pelo corpo todo e o suor escorria copiosamente. Não havia dúvida, estava de novo em África.
Fazia agora o caminho em sentido inverso, sobrevoando aquele imenso território com a sensação de que apenas estivera ausente por muito pouco tempo.
A Neriquinha estava no mesmo sítio. Pelo menos o Nord não teve dificuldades em encontrá-la, aterrando na velha e conhecida pista poeirenta com a desenvoltura do costume.
Desapertei o cinto que me prendia ao assento de lona, agarrei no saco de viagem e assomei à porta preparando-me para descer. Lá fora, as mesmas caras e a azáfama do costume. Nada mudara durante a minha ausência.
Desci os pequenos degraus e olhei em volta como a certificar-me da realidade. A cerca de arame farpado lá estava, no mesmo sítio. As duas pequenas construções que ladeavam a porta de armas continuavam desocupadas. Creio que nunca tiveram serventia. A chana mantinha ainda a mesma cor e a mata circundante parecia olhar-me como se, reconhecendo-me, me desse as boas vindas. Respirei fundo sorvendo o perfume selvagem da savana e caminhei decidido em direcção à camarata onde a minha cama me aguardava, já mentalizado de que ali era o meu lugar. Pelo menos durante mais os próximos meses aquela continuaria a ser a minha morada … o meu canto perdido no meio da imensidão agreste.
Uma semana depois já quase não me lembrava da civilização. Na verdade, sentia-me como se dali nunca tivesse saído. Mulheres brancas, movimento, bicas, pastéis de nata, restaurantes, ruas, casas, prédios, bulício citadino, televisão, jornais, viraram rapidamente coisas de ficção.
Jornais, ali não chegavam. Certo dia, não sei donde, nem como, uma edição retardada, com mais de 15 dias, do jornal “A BOLA” aportou àquelas bandas. Andou de mão em mão até ficar amarfanhado, roto, amarelecido, sujo e com nódoas de gordura. Creio que não ficou nada por ler. Ninguém se atreveu a atirá-lo para o lixo, acabando abandonado num canto, ali ficando por muito tempo.
Eu tinha que sair dali. Precisava de respirar outros ares e o mês de férias a que tinha direito vinha mesmo a calhar. O Gabriel regressara há pouco tempo depois de um prolongado mês de férias. Pelo menos foi o que nos pareceu, que a ele passou num quase piscar de olhos. Trazia novas do Puto. Um novo filme que contava a história inédita de um tal de Trinitá e do seu cavalo amestrado. E as novas tendências musicais a anunciar o fim da era dourada da década de sessenta.
O Gabriel parecia empolgado e contagiava toda a gente aniquilando a réstia de indecisão que ainda pairava na minha cabeça. Deram-me o contacto de uma agência de viagens em Luanda que tratava de tudo. Volvidas duas semanas, recebi a resposta. Estava tudo tratado e com viagens marcadas. Agora já não podia voltar atrás. Nem queria. Estava demasiado empolgado para pensar em desistir. Na verdade, creio que se não fosse o cansaço não teria conseguido dormir nas noites que faltavam para a partida. A excitação não deixava.
Só era preciso sair dali, já que a Agência apenas garantia a viagem a partir do Luso. Para lá chegar era preciso contar com a boleia do Nord da Força Aérea, às terças.
E assim foi. Em pouco mais de uma hora de viagem, o Barriga de Jinguba deixou-me às portas da civilização, despejando-me no aeroporto do Luso.
Reservei quarto na Pensão Central, que a viagem para Luanda só seria no dia seguinte e percorri as ruas da vila, sentindo-me na pele do saloio que vem à cidade pela primeira vez.
Sentei-me na esplanada do café e pedi uma bica. Mais de nove meses haviam passado desde que bebera a última. Degustei o café em pequenos sorvos de prazer à medida que, mais parecendo um cata-vento, seguia com o olhar tudo o que bulia. Cheguei a recear ser interpelado por alguém que se sentisse ofendido pelo meu ar embasbacado. Fixava qualquer mulher que passasse seguindo-a de longe até a perder de vista e reagia com sobressalto a qualquer buzinadela mais intensa. Na verdade, sentia-me num mundo novo, não obstante o movimento da pequena vila do Leste de Angola ser inferior ao de qualquer cidade de província. Era um facto, já não estava habituado ao bulício urbano.
Um velho Friendship da TAAG, fazendo escala em Nova Lisboa, levou-me até ao bulício de Luanda, deixando-me no aeroporto mais morto que vivo em consequência da atribulada viagem.
Bonita e aprazível, Luanda era uma grande cidade. Cosmopolita e movimentada, quente e luminosa, com muitas esplanadas e cafés, gente, mulheres, de mini-saia, já que o calor e a moda criada pela bendita Mary Quant puxavam as saias bem acima dos joelhos.
A fome levou-me à esplanada do Amazonas onde matei saudades saboreando uns camarões e um suculento prego no pão, mal passado, como eu gosto e bem acompanhado por umas quantas imperiais, fresquinhas, fervilhantes, acabadinhas de tirar.
Ah! O prazer que foi beber a bica, sentado na Versalhes, lendo o jornal do dia. E a volta pela cidade, sem destino ou rumo, apenas pelo prazer de deambular no meio do frenesim citadino.
Percebi que quem vive na cidade e nunca dela saiu, não tem como perceber o que é viver dia após dia no meio de coisa nenhuma.
Não é assim de admirar que a chegada a Lisboa já não tivesse tido aquele impacto. Apenas estranhei a cor acinzentada da cidade, a luz mortiça e a temperatura amena, quase fria, do mês de Setembro. Em África havia calor, luz, cor, espaço.
Sabem! O tempo deve ter passado mesmo a correr naquele mês de férias. Tirando o facto de ter tirado a barriga de misérias e de me embriagar no perfume de mulher, lembro-me de pouco mais. Retenho contudo o facto de no dia do regresso, ter vestido uma camisola de lã de gola alta. O frio do mês de Outubro em Lisboa, impôs essa indumentária.
Desembarquei assim em Luanda com roupa de Inverno e recordo que me senti sufocar de calor quando saí do avião. O trajecto do aeroporto de regresso à Pensão dos Coqueiros foi infernal. Só desejava que o táxi acelerasse. A camisola fazia comichão pelo corpo todo e o suor escorria copiosamente. Não havia dúvida, estava de novo em África.
Fazia agora o caminho em sentido inverso, sobrevoando aquele imenso território com a sensação de que apenas estivera ausente por muito pouco tempo.
A Neriquinha estava no mesmo sítio. Pelo menos o Nord não teve dificuldades em encontrá-la, aterrando na velha e conhecida pista poeirenta com a desenvoltura do costume.
Desapertei o cinto que me prendia ao assento de lona, agarrei no saco de viagem e assomei à porta preparando-me para descer. Lá fora, as mesmas caras e a azáfama do costume. Nada mudara durante a minha ausência.
Desci os pequenos degraus e olhei em volta como a certificar-me da realidade. A cerca de arame farpado lá estava, no mesmo sítio. As duas pequenas construções que ladeavam a porta de armas continuavam desocupadas. Creio que nunca tiveram serventia. A chana mantinha ainda a mesma cor e a mata circundante parecia olhar-me como se, reconhecendo-me, me desse as boas vindas. Respirei fundo sorvendo o perfume selvagem da savana e caminhei decidido em direcção à camarata onde a minha cama me aguardava, já mentalizado de que ali era o meu lugar. Pelo menos durante mais os próximos meses aquela continuaria a ser a minha morada … o meu canto perdido no meio da imensidão agreste.
Uma semana depois já quase não me lembrava da civilização. Na verdade, sentia-me como se dali nunca tivesse saído. Mulheres brancas, movimento, bicas, pastéis de nata, restaurantes, ruas, casas, prédios, bulício citadino, televisão, jornais, viraram rapidamente coisas de ficção.
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