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Umas maiores, outras mais pequenas, a gasolina ou a gasóleo, com tracção normal, integral, ou reforçada, com ou sem guincho, com quatro, seis ou oito rodados, com reboque e sem reboque, com ou sem cabine, carroçaria entaipada ou não e dotados de uma variedade de equipamentos e capacidades conforme a função a que eram destinadas. Inicialmente eram as velhas GMC que foram gradualmente substituídas pelas famosas GBC, mais conhecidas por viaturas Berliet e as Mercedes nas suas diversas variantes, das quais se destacavam os inimitáveis Unimogs, disponíveis a gasóleo ou a gasolina, bastante versáteis e capazes de vencer qualquer obstáculo.
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A hostilidade própria das terras do fim do mundo e as irregularidades agrestes das picadas arenosas transformavam o dia-a-dia das viaturas num autêntico inferno. Os rodados enterravam-se no terreno desértico e arenoso, atolavam-se no lamaçal das chanas, derretiam-se sob o calor impiedoso, a suspensão tinha de dar mostras da sua resistência, os motores eram obrigados a rodarem em primeira e segunda velocidade na maior parte dos percursos, a terceira velocidade só era utilizada de quando em vez e a quarta nunca, obrigando a manter os radiadores sempre abastecidos.
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Com as Berliets, o problema da água e do gasóleo resolvia-se; cada viatura carregava
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O problema é que o acesso a peças de substituição exigia requisições obedecendo a uma burocracia entediante e desesperava-se à espera que, de Luanda, chegassem as peças necessárias, cuja demora, excessiva não se compaginava com a operacionalidade exigida à companhia, o que determinou que a berliet mais débil e que mais vezes se negava a cum
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Com tudo isto, a equipa de mecânicos não chegava para as encomendas e a rápida formação que a tropa lhes ministrara pouco ou nada acrescentou à pouca experiência que traziam da vida civil e tenho para mim que o Vicente sabia mais da matéria que alguns dos mecânicas da companhia. O Vicente era um puto local que, apaixonado pela mecânica, passava os dias na oficina, ajudando no que fosse preciso.
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Certa vez, o meu grupo de combate foi incumbido de uma missão; manter uma presença na N’Riquinha Velha durante dois dias, patrulhar as margens do Kuando e tomar contacto com a população que por ali olhava pelo seu gado e cuidava das suas plantações de milho. O lugar era aprazível e não ficava muito distante; uma hora de caminho mais coisa menos coisa, dependendo do que o condutor conseguisse da viatura. Para a missão foi afecta a pior das três berliets que, tendo passado o dia anterior nas mãos do Lobato, se esperava que fosse capaz de fazer a viagem de ida e volta sem problemas. Pelo menos a viagem de ida decorreu sem avariar.
Era o tempo do cacimbo, com um calor tórrido durante o dia e um frio gélido durante a noite, exercendo a sua acção desgastante, não apenas sobre os corpos, mas
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O facto é que, quando no dia seguinte o condutor accionou a ignição para pôr o motor em marcha, este não respondeu aos insistentes nhé, nhé, nhé, nhééé…… do motor de arranque, decidindo-se que não valia a pena insistir, até porque, após várias tentativas sem sucesso, a bateria começava a fraquejar. A única hipótese passava por requisitar os serviços do Lobato. A distância não era assim tanta e naquele terreno plano de areia seca e solta, fazê-la pegar de empurrão era tarefa impossível, mesmo com toda gente a ajudar.
O operador de transmissões ligou o rádio, estendeu a antena e procurou estabelecer contacto.
- Base, base, aqui óscar … escuto.
Após duas ou três insistências a terminar em “escuto”, a resposta fez-se ouvir.
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- Transmita.
- A cabrinha está doente … precisa do médico.
Ou por chacota, ou porque não estivesse a perceber a linguagem toscamente cifrada, o operador na N’Riquinha não associou cabrinha à viatura e menos ainda o de médico ao mecânico, replicando desabridamente:
- Qual cabrinha? Médico para quê? Afinal quem é que está doente?
Para gáudio de todos, a resposta, em jeito de desabafo, saiu pausada, quase palavra a palavra para que não sub
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- Oh porra! O motor não pega, … não trabalha.
Se o inimigo ou alguém, à socapa, estava a ouvir a transmissão, ficou a saber que por ali, uma viatura se recusava a trabalhar e que uns tropas aguardavam algures a chegada de um mecânico para resolver o problema e ao mesmo tempo lá se foi às urtigas um código secreto.
De qualquer forma, não demorou muito até que uma outra berliet nos trouxesse o Lobato. Apeou-se, aproximou-se do condutor e embora soubesse exactamente onde estava o problema, perguntou:
- Então, qual é o problema?
- Esta porcaria não pega. Respondeu agastado o condutor.
- Não pega? Não pode ser! Ainda ontem trabalhava tão bem!
O Lobato, sabendo bem qual o mal da viatura, brincava com a situação. Retirou qualquer coisa do bolso, aproximou-se pelo lado do condutor, deitou um olhar de entendido para o emaranhado de peças e fios que rodeiam o motor e disfarçadamente aproximou da entrada de ar o que retirara do bolso, ao mesmo tempo que ordenava:
- Dá lá ao motor de arranque.
O condutor accionou a ignição, o motor de arranque respondeu com esforço e para surpresa de todos a berliet começou a trabalhar ao fim da primeira tentativa.
- Pronto, está reparada a avaria. Sentenciou.
Naquele dia, a fama do Lobato subiu uma significativa quantidade de pontos. Para alguns, operara-se uma espécie de diálogo mágico entre o Cabo e a berliet.
- Ele consegue falar com elas, é o que é! Comentou alguém.
Apercebi-me que o Lobato voltava meter no bolso um pequeno frasco que continha um líquido incolor e quando lhe perguntei qual o segredo do líquido mágico respondeu simplesmente:
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- Éter.
De facto, isso explicava tudo e anulava a componente mágica. Mas demonstrava que os seus conhecimentos não se ficavam pelo gosto ou empenho com que se dedicava às coisas da mecânica. Saber que os vapores do éter enriqueciam a mistura de ar e que isso facilitava a ignição, revelava a percepção exacta do fenómeno e das minudências da mecânica subjacentes ao funcionamento dos motores.
Bem se pode dizer que a C.Caç. 3441, teve sorte por ter ao seu serviço um cabo como o Lobato.