sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Caça

Durante a comissão na N'Riquinha, das coisas que mais me agradavam, uma delas era a caça. Largas dezenas de noites à caça, sem contar com os dias carregados de sol e chuva, permitiram-me passar o tempo de uma forma mais agradável e sem as chatices de estar fechado no quartel à espera do amanhã, que nunca mais chegava. O que eu queria era...rua!
Na verdade, tais surtidas, permitiram variar e aumentar as doses de carne a que cada um tinha direito. Palancas, (reais...que crime!) Nunces, Cabras do Mato, Gungas, Gnus, Caixotes e outras variedades de animais cujos nomes hoje me passam, serviram para ajudar nas contas do Furriel Vago-Mestre Morais e o 1º Sargento Pinto.
Uma vez, já nas Mabubas, na bacia da Barragem, saí à caça no barco, um Zebro com capacidade para uma dúzia de militares, que a Companhia tinha para patrulhar o Rio Dange. Com um civil, o Sr. Tomé, responsável pela Barragem das Mabubas, a farolinar, o Gasolina (encarregado de abastecer os motores e viaturas da SONEFE) com a bateria ao colo, o Lobato ao leme, o padeiro e o Zip no apoio, lá saímos ao cair da tarde.
Foi um dia de sorte: matei duas Pacaças enormes, com três tiros apenas.
O pior foi depois. Uma, a que estava à beirinha, foi carregada de imediato para dentro barco, com muita dificuldade, já que este tendia a afastar-se da margem em consequência dos empurrões ao bicho para galgar a amurada. A outra, porque se encontrava um pouco mais afastada e era maior, exigia que o barco ficasse meio apoiado em terra para facilitar o carregamento. Para isso, o melhor era dar-lhe alguma distância da margem e ganhar velocidade, colocando-o meio na água meio na terra. O pior é que, por debaixo da superfície da água e invisível aos nossos olhos, estava um tronco de árvore escondido onde a quilha do barco bateu com grande estrondo. Com aquela paragem violenta, para além de todos ficarmos estendidos no chão do Zebro, o Gasolina caiu à água, arrastando a bateria que tinha ao colo e que alimentava o farolim que nos permitia ver naquela escuridão. Desapareceu, por ali abaixo. O Sr. Tomé, sem largar o farolim da mão, acompanhou a descida lenta do Gasolina em direcção ao fundo e com o corpo já meio dentro da água, apanhou-o pelos cabelos e puxou-o, com a ajuda do Lobato, até ter a cabeça fora da água. Içámo-lo para dentro do barco e tudo se normalizou. O Gasolina, apesar da queda, nunca largou a bateria e nunca o farolim ficou sem energia. Foi o herói do dia!
Quanto às Pacaças: uma foi para a cozinha da Companhia e lá se foi comendo. A outra, derreteu-se numa farra no largo da casa do Capitão, com os civis das Mabubas.
Foi uma forma de homenagearmos a Esposa do Capitão Cabrita que, de férias na Metrópole, tinha ido passar uns dias a Angola.

11 comentários:

Anónimo disse...

Palanca real não eram essas palancas do cuando cubango.
A palanca real era muito rara e só já havia numa reserva de caça perto de Malange.
Matar caça não era mau, o pior era quando se matava indiscriminadamente, como crias, fêmeas prenhas ou não e usar armas impróprias cujas balas eram impróprias, feriam e não abatiam.

Era a ideia dos fiscais de caça.

Isto é da caça.

Agora para o antigo capitão Cabrita sobre o solo vermelho da pista.

Recorri a outro colega meu que esteve na N´riquinha e dormiu uns dias no quartel para com a tropa ir ver umas pontes que tinham sido queimadas pelos turras em 1967 penso no rio Cubia.

Segundo ele apenas alguma laterite foi transportada para junto das casernas pata melhorar o piso.

Essa laterite é um solo com alguma granolometria que depois de compactada dá para por asfalto e fazer uma estrada.

Mas a pista em si era apenas solo local natural segundo o meu colega que corrobora a minha lembrança.

Embora de cor avermelhada como a laterite da caserna, diferentemente desta não é saibrenta.

Seria tanto mecanicamente como humanamente, naquele tempo, fazer um transporte de tantos milhares de metros cúbicos de solos para aquele lugar.

Cumprimentos,

Antº Rosinha

Gabriel Costa disse...

Nenhuma das palancas das fotografias é uma palanca real. No entanto, no Kuando Kubango, havia-as. Também eram conhecidas como Palancas Pretas. Eram enormes e as suas hastes chegavam quase aos quartos traseiros. Um dia, regressava eu da caça com algumas na Berliet e tive que estacionar, escondido na mata, á espera que o administrador do Rivungo, abandonasse o quartel da N'Riquinha pis, era sabido que teria problemas se ele as visse. Eram iguais às das notas de 100 ou de 500 Angolares, se não me enganoToda a caça era para abastecer acompanhia, pois, de carne, eram apnas abastecidos por avião (Nord Atlas), de 15 em 15 dias, e as arcas frigoríficas não tinham capacidade para armazenar carne para tanta gente.

Egidio Cardoso disse...

Sobre as palancas. De facto lembro-me de ter visto várias vezes as palancas negras que diziam ser as famosas palancas reais. Nunca abati nenhuma, apenas das outras, iguais às das fotografias. Mas, Se tivermos em atenção a enorme dimensão da savana do Cuando Cubango, a variedade e quantidade de caça existente e a quase total ausência de predadores, fácil é aceitar que a palanca preta não se confinava a uma reserva.

Quanto à laterite. É verdade que na chana do Cúbia, no seguimento das pontes com o mesmo nome, havia esse minério à superficie, em grande quantidade. Mas a terra vermelha da pista e da parada não veio dali. Era muito diferente. Tenho a certeza que essa não era laterite e junto às casernas apenas havia a areia esbranquiçada que caracterizava o terreno circundante.
A história do transporte da terra vermelha para o local, foi-nos contada por pilotos da força aérea.

E.C.

Anónimo disse...

Caro Antº Rosinha

É sempre um prazer tê-lo por aqui.

Estas nossas trocas de comentários não conformam qualquer diferendo; apenas uma necessidade de reviver um passado que nos marcou e há-de perdurar, até que o Alhzeimer nos cubra de nevoeiro o livro de memórias que fomos escrevendo ao longo da vida.
Enquanto tal não acontece, cá estamos a revivê-las como se quiséssemos lá voltar.

Palanca Real (Ou negras, como lhes chamavam naquela zona).

Havia de facto.
O Gabriel já as descreveu com propriedade. Tinham também uma ligeira mancha branca nas partes traseiras das coxas, ladeando rabo.

Havia a proibição de caçar estes animais, mas nós faziamo-lo muito esporadicamente e apenas como meio de melhorar a alimentação do rancho. Rancho donde comiam soldados, sargentos e oficiais - uma regra de que me orgulho... se me permitem esta pontinha de vaidade. É que nunca entendi ser possível arvorar patente no estômago de qualquer ser humano.

Ainda quanto ao rancho, cheguei a comer ração de combate ao almoço. Não por falta de comida; mas por enjoo das massas, do chouriço e das salsichas...

A caça era, como já disse, uma necessidade. Nunca caçámos por desporto; excepção feita às caçados no nosso major Tamegão, que tinha um indomável propósito de caçar uma águia real para embalsamar. Levou um passarinho qualquer e lá foi todo contente...

Como diz o Gabriel, quando havia necessidade (ou oportunidade...) de caçar palancas negras, procurávamos que o Administrador não tivesse conhecimento... por uma questão de respeito, digamos assim. Mas ele sabia, porque, para evitar que lhe fossem contar, eu disse-lhe um dia que (por engano...) às vezes caía uma Palanca negra... Ao que me respondeu: "... de vez em quando também faço o gosto ao estômago... É uma carne deliciosa. Desde que não se exagere... tudo bem". E lá ficámos neste acordo tácito e cumprimo-lo.
Mas o Gabriel não está a contar a história toda... Ou talvez já nem se lembre.
Se não estou em erro havia duas equipas de caça. A do Gabriel e a do Silva, se não me engano. E havia ali uma certa disputa.
Um dia o Gabriel (num daqueles dias de sorte de caçador...) exagerou nas peças abatidas, entre elas palancas negras. Deslumbrou-se com uma manada que lhe apareceu e... perdeu a cabeça... como todos os caçadores...
Como não havia meios frio suficientes para armazenar toda aquela carne, foi dia de arraial no kimbo. E a equipa de Gabriel lá ficou de "castigo" três meses sem caçar. Mesmo assim a equipa do Silva, com três meses de avanço, não conseguiu melhores resultados.

A continuar...
.../...

Egidio Cardoso disse...

Sobre a caça, a minga memória ainda recorda outro elemento das equipes de caça. Refiro-me ao soldado NASCIMENTO. Já não sei é se integrava o grupo do Silva se o do Gabriel
Penso que era, de facto, o nosso especialista em caça e em algumas situações era o único que tinha autorização para disparar.
Como o Nascimento já nos deixou, fica aqui esta espécie de homenagem.

E.C.

Egidio Cardoso disse...

Já agora, no que se refere à história do Gabriel, parece-me apropriado esclarecer o seguinte:
As fotografias, são sobre caça na Neriquinha e os animais são palancas e, se não me engano, um porco do mato, espécie que por ali abundava.
Mas a história do Gazolina passou-se numa cena de caça na Barragem das Mabubas, uns quantos meses depois, onde foram caçadas pacaças. Como é bom de ver, sobre esse episódio não há fotografias: a cena passou-se à noite e não havia máquina por perto.

E.C.

Anónimo disse...

Cont. do comentário anterior...

Ainda o material da pista.

Antes de tudo, jamais disputar o conhecimento do nosso amigo Rosinha nesta matéria, que me deslumbra e com o qual tenho aprendido coisas novas.
Como diz o Egídio, nas casernas não havia nenhuma mistura. Era areia normal daqueles terrenos. Talvez um lapso (normalíssimo a esta distância) do seu amigo.
Onde havia, de facto, uma matéria compactada ao estilo dos campos de ténis de hoje (no aspecto, não na composição) era na parada e no campo de futebol, ainda que aqui já muito misturada com a areia devido à sua utilização nos jogos (essencialmente por jogadores mais habituados à rabiça do arado e ao remo dos barcos que a jogar à bola...).
Contudo, e insistindo, a mistura da pista era diferente. A cor era ocre e a mistura continha um seixo arredondado, de que resultava uma compactação muito dura que permitia que os Nord-Atlas ali aterrassem com quaisquer condições de chuva. Por vezes não iam à N'riquinha, mas porque havia tecto baixo (nevoeiro, cacimbo); nunca por via da pista que era um autêntico alcatrão, ou melhor, porque não derretia com o calor.
Depois ainda a lembrança de um capitão dos Nord-Atlas que me contou pessoalmente ter transportado para ali toneladas daquele material em sacos. Cada carrada podia ir a 5 toneladas, que era a carga máxima do Nord. Ora, quantas toneladas daquele material seriam necessários para compor a pista (1.200 m)? Pergunto ao amigo Rosinha. Por mera curiosidade.

É, ao fim e ao cabo, mais um desafio para que continue a visitar-nos.

Com os meus cumprimentos a todos.

Abraço

PC

Antº Rosinha disse...

Uma pista estrada ou aeroporto com 500 metrosx15m de largurax0,10m de espessura de laterite=750 metros cúbicos/5m cúbicos=150 viagens de Nord Atlas.

Pontualmente poder-se-ia cobrir uma placa de estacionamento ou uma passadeira, mas mais não é possível, pois penso que não é previsível que houvesse disponibilidade para tanta viagem de Nord Atlas.

E não tinha grande duração essa camada de mínimo 0.10 de espessuara, já não vou para 0,20, pois aí seria o dobro de viagens.

Principalmente no lugar em que o avião acelera para levantar, criava imediatamente rilheiras, principalmente com chuva.

Essas laterites, argila cor de tijolo, com grãos de vários tamanhos, tudo bem compactado tinha um bom comportamento no tempo seco mas na chuva as rodas criavam sulcos e tornava-se perigoso.

Sobre palancas havia, segundo os especialista de caça, que não é o meu caso, uma tal palanca negra gigante, a que tambem chamavam palanca real, que foi usada como símbolo da TAAG, aviação de Angola, que pensa-se que está extinta, e que no tempo colonial exitia numa reserva de caça perto de Malange, nas margens dos rios Cuanza e Luando.

Portanto sobre caça talvez eu esteja a interpretar de maneira diferente os nomes das diversas palancas.

Um abraço

Anónimo disse...

O que me farto de aprender aqui.

Agora só me falta saber quantos m3 tem uma tonelada de laterite.

Depois multiplicar por 5 toneladas e ficamos a saber quantos m3 trazia cada viagem do Nord.

Será que a coisa ia para as 150 viagens..., amigo Rosinha?

E a possibilidade da estrutura base da pista ser constituída por outra matéria qualquer colhida algures pela zona do Cúbia, ou outra, e depois levar uma camada mais fina daquele produto em cor ocre que ostentava a pista, proporcionando-lhe uma maior solidez?
Seria possível...?

É que, meu caro amigo Antº Rosinha...
Ainda estou a "ver e ouvir" o tal capitão a dizer-me "... as carradas de material que eu carreguei para aqui no Nord em sacos..."

Desta não consigo sair. E não foi sonho... Ali eram mais os pesadelos...

Enfim.
Demos por encerrado este debate.
Sem outros dados testemunhais não vamos conseguir ir mais além.
Se surgirem, então voltaremos... Apenas por nostalgia.

Para mim, falar da N'riquinha é voltar lá; não à guerra, mas àquela gente que guardei como a "minha gente..." durante 555 dias da minha vida.
Por alguma razão, quando partimos, eles fizeram tudo o que, inocentemente, lhes era possível, para que continuássemos com eles...

Aquele abraço de amizade.

P C.

Anónimo disse...

Amigo P. Cabrita, só para dizer que a relação peso/volume de qualquer solo depende da humidade natural.
No caso de laterite que existe nos trópicos não cá em Portugal, mesmo no tempo seco, é um pouco mais do que 1 metro cúbico=1tonelada como eu simplifiquei a conta, mas pelo menos 1.1 ou 1.2 ton. aprox., portanto aumentaria o número de viagens.
Mas a laterite embora da côr dos solos que eu digo que são naturais daquela chana, não é a mesma coisa.
P. Cabrita, penso que eu já tinha referido que os Serviços Geográficos e Cadastrais já tinham enviado gente para preparar aquela chana para receber um avião para fazer fotografia aérea para a carta de Angola por fotogrametria.
Isto foi antes de 1957 um ou dois anos. Nesse tempo é que provavelmnte foi levado para lá o tal cilindro.
Embora tenha conhecido as pessoas que foram lá naquele tempo, já ninguem existe hoje.
O avião que era ou foi usado nesse tempo foi um Beach Craft, penso que é assim que se escreve, e que tambem conheci assim como o fotógrafo e piloto e mecânico.
Eu não posso dizer que não foi transportada a tal laterite (saibro), apenas digo que os técnicos da J.A.E. estudámos o solo natural da chana em 1966 e com recolha de amostras para o laboratório, e vimos aterrar e levantar um Nord Atlas.
Talvez o que o Egídio diz, no campo de futebol, fosse aplicada a tal laterite transportada por avião.
Só já tenho dois colegas de profissão, qu viveram a N´riquinha como eu. Um doente e outro a caminho 75 ou mais, mas ainda na internet. Já falei a eles nesta conversa. Todos os outros ou já "marcharam" ou estão para o Brasil, pois os retornados mais novos em geral emigraram, e perdi o rasto. Tambem havia dois técnicos angolanos que ficaram por lá.

Um abraço,
Antº Rosinha

Anónimo disse...

E encerramos o assunto por aqui.
Nem o tema merece que nos detenhamos muito sobre ele.

Obrigado pela sua colaboração e ensinamentos.
Apareça sempre.

Um abraço

Pedro Cabrita