sábado, 18 de dezembro de 2010

OS PUTOS

Putos, há-os em todo o lado. E na Neriquinha havia-os às dúzias e de todas as idades.






















Eram engraçados, como aliás são os putos de qualquer raça ou credo.
Pequenitos, de olhos vivos a brilharem nas suas caras escuras.
E também corriam, gritavam, riam e brincavam como todos os outros. E choravam como se compreende.













Geralmente nus ou quase, com o corpo normalmente coberto de sujidade, visível em desenhos aleatórios riscados na sua pele baça de pó.













Alguns de barriga proeminente, sinal evidente de alimentação deficiente. Mas, a maioria já não apresentava tal característica. A proximidade da tropa garantia-lhes uma alimentação diferente daquela a que os seus pais se habituaram.
Era vê-los a rondar a cozinha, especialmente no fim do almoço.
Enfim, miúdos nascidos na savana mas que cresceram habituados à proximidade de tropas. Um dia dei por mim a pensar que, se calhar, na cabeça daqueles garotos um homem branco era alguém de pele clara, vestindo por regra uma farda camuflada e sempre com um barrete esquisito na cabeça.
Como em qualquer comunidade, eram todos diferentes e ao mesmo tempo todos iguais. Lembro-me que cheguei a perguntar-me como é que as respectivas mães reconheciam os seus. Seria por isso que andavam permanentemente com os mais pequenitos encafuados em bolsas de panos num imaginativa criação de alcofas portáteis? É que nunca os largavam.
Mas era apenas uma estupidez minha, de primeira impressão. Como é bom de ver, são todos diferentes uns dos outros, como quaisquer outras crianças.
Mas havia um que se distinguia dos demais. Era a prova, o sinal evidente da passagem da tropa por ali. As mulheres Ganguelas não eram esquisitas e pelos vistos os brancos, também não. Especialmente os loiros.


7 comentários:

Anónimo disse...

Uma breve chamada de atenção para a última foto de mais esta esplêndida intervenção do Egídio Cardoso.

Pelo seu simbolismo, achei por bem prestar uma breve explicação quanto à tarefa dos dois pequenos habitantes do kimbo de N´riquinha.

O esforço é de manter acesa a incandescência dos madeiros que confluem as suas pontas num centro onde o fogo não pode morrer.

Num local onde quase tudo faltava, e um tremendo vazio de conforto imperava, este afã de manter aceso o fogo que lhes confortava a pouca vida de que desfrutavam, simboliza de forma vibrante tudo aquilo em que se constituía a riqueza naquelas terras ditas do fim do mundo; um assomo de fogo que não podia morrer, tal como um sopro de vida que era preciso manter vivo todos os dias.

Como se sabe, estes putos povoam-me ainda a memória e comigo ficarão até ao fim.

PC

Egidio Cardoso disse...

No fundo, estes putos só eram felizes, na medida em que nem condições tinham para se aperceberem da penúria que os rodeava e do quão limitado era o horizonte das suas vidas.

Luis disse...

Amigos,
Não é o TER mas o SER que nos dá Felicidade e eles ERAM!
Desejo a todos Vós umas Boas Festas e que o Ano 2011 seja melhor!
Um abraço amigo deste que também por lá passou.

Egidio Cardoso disse...

Nem mais, caro Luis, nem mais

Anónimo disse...

CARO AMIGO LUÍS.

ELES ERAM...
FORAM...
E SÃO AINDA...
... O FRUTO DE 500 ANOS DE ESQUECIMENTO E OBSCURANTISMO EM QUE DEIXÁMOS AQUELA GENTE ESQUECIDA PARA LÁ DO SOL-POSTO... NAS TERRAS DO FIM DO MUNDO.

NEM A LÍNGUA PORTUGUESA LHES FOMOS CAPAZES DE TRANSMITIR.
AQUILO QUE SABIAM APRENDERAM DESDE 1964, QUANDO A PRIMEIRA TROPA LÁ CHEGOU. E SÓ ESTES PUTOS FORAM CAPAZES DE APRENDER.
DÁ VONTADE DE DIZER QUE DEPOIS DO MOUZINHO MAIS NINGUÉM SE LHES CHEGOU POR PERTO...

... A CHAMA ARDENTE DAQUELES TRÊS MADEIROS QUE NÃO PODIA MORRER, VIVIFICA VIBRANTEMENTE O SOPRO DE VIDA QUE SOPRAVAM TODOS OS DIAS DE ENCONTRO AO HORIZONTE INCERTO E ENEGRECIDO QUE OS FUSTIGAVA EM CADA DIA DE SOL OU CHUVA.

É COM ALGUM ORGULHO QUE ME ATREVO A AFIRMAR QUE A GENTE DA C. CAÇ. 3441 TERÁ FEITO POR AQUELES PUTOS O QUE MAIS NINGUÉM FEZ, ANTES OU DEPOIS DE NÓS.

COM UM ABRAÇO COM QUE QUERO TAMBÉM, E AINDA, ENVOLVER AQUELES PUTOS, HOJE, CERTAMENTE, DE NOVO ENTREGUES À NATUREZA VIVA DA N'RIQUINHA VELHA, NUM BRAÇO DO RIO KUANDO.

UM BOM ANO PARA TODOS.
TODOS MESMO...

pc

Egidio Cardoso disse...

Passados tantos anos, o coração do Pedro Cabrita, continua lá e nem esmoreceu.
As vezes pergunto-me: quantos daqueles putos escaparam ilesos à guerra civil que se seguiu?

Anónimo disse...

NUNCA MAIS...!

AS GENTES DE N'RIQUINHA FICARAM COMIGO E COMIGO IRÃO ATÉ AO FIM DA LINHA.

NÃO SÃO UMA ESPÉCIE DE AMIGOS QUE NÃO SE ESQUECEM.

SÃO, VERDADEIRAMENTE, AMIGOS QUE FIZ E CUJA MEMÓRIA HEI-DE PRESERVAR EM FORMA DAS POUCAS COISAS BOAS QUE ME ESCORRERAM DA GUERRA.

OS PUTOS E OS VELHOS POVOAM-ME AINDA COM FREQUÊNCIA AS NOITES DE INSÓNIA, OBRIGANDO-ME A VOAR ATÉ ELES COMO SE A MINHA CONSCIÊNCIA DE COLONIZADOR ME ACUSASSE AINDA DE NÃO TER FEITO TUDO O QUE PODIA PELAS SUAS VIDAS E PELO SEU FUTURO; UM OUTRO FUTURO.

POR FIM HÁ AINDA ALGO MAIS QUE ME ATORMENTA.

AQUELA GENTE OPTOU POR FICAR CONNOSCO DURANTE A GUERRA. ESPECIAL RELEVO PARA OS GE'S.
NEM ME DOU AO TRABALHO DOLOROSO DE IMAGINAR O QUE LHES TERÁ ACONTECIDO APÓS A NOSSA SAÍDA DAS COLÓNIAS.
NÃO ME CONSTA QUE TENHAMOS MOVIDO UMA PALHA SEQUER NA PRESERVAÇÃO DA SUA INTEGRIDADE E RECONHECIMENTO DA SUA LEALDADE.

E SE HÁ ALGO A QUE NÃO QUERO ASSOCIAR-ME É A ESSA INFÂMIA PERPETRADA POR QUANTOS NOS GOVERNARAM APÓS O 25 DE ABRIL, QUE ESQUECENDO E ABANDONANDO À SUA SORTE TODOS AQUELES QUE, FICANDO DO NOSSO LADO, TERÃO MAIS UMA VEZ TIDO UM AJUSTE DE CONTAS COM A SUA POBRE HISTÓRIA, COMO SE JÁ NÃO LHES BASTASSE O SOFRIMENTO DE 5 SÉCULOS DE ABANDONO, EXPLORAÇÃO E SOFRIMENTO.

TAMBÉM POR ISSO A MINHA CONSCIÊNCIA SE DEIXA AINDA CONDUZIR ATÉ ÀS TERRAS DO FIM DO MUNDO VEZES SEM CONTA, NUMA ESPÉCIE DE EXERCÍCIO DE MEMÓRIA EM FORMA DE LENITIVO POR TUDO AQUILO QUE DEIXÁMOS POR FAZER.

pc