sábado, 1 de junho de 2024

                                                        O que resta da Nerriquinha 


terça-feira, 28 de maio de 2024

                                                              25 de Maio de 2024

                                                       50 anos depois do regresso


Ocorreu na Anadia mais um encontro da Companhia de Caçadores 3441.

Estiveram presentes todos os que o puderam fazer, sendo que alguns, não podendo estar, nos contactaram pelos meios disponíveis para deixar uma palavra de saudade, reiterando a amizade que ficou e se mantém firme deste o primeiro dia de Évora, em julho de 1971.

Como sempre se procura fazer, deixamos aqui algumas imagens dos companheiros presentes como forma de deixar registo, mas também recordar aos ausentes a lembrança dos amigos de há 50 anos atrás.

Por fim, e numa espécie de efeméride que fique para a posteridade, decidi deixar desta vez a história do capitão que vos calhou e que por certo se terá constituído numa surpresa para muitos de vós.

Surpresa que muitos ainda não terão compreendido. Uma história que certamente poderá ainda explicar formas e factos mal apreendidos ao tempo em que nos encontrámos.

Na verdade, ainda que a experiência militar de todos nós fosse diminuta, era de esperar encontrar um capitão maduro e naturalmente mais velho. Porque razão tal não aconteceu é o que aqui vos trago hoje. É uma história atrasada, mas nunca é tarde.

Em Abril de 1970 apresentei-me em Mafra na EPI para cumprir o meu serviço militar obrigatório, como todos nós. Naturalmente eu iria ser um alferes miliciano.

Após 3 meses de instrução militar como cadete, fui indigitado para prestar provas num curso inexistente na altura e que se dizia ser um "Curso de Comandantes de Companhia". Uma novidade e também um primeiro sinal de que a guerra ia mal.

Ao tempo ninguém acreditou que o chamado Curso de Comandantes de Companhia fizesse algum sentido e, na verdade, não fazia sentido nenhum, nem era para acreditar que chegasse a um bom termo.

Mas chegou.

Fui submetido aos testes e exames mais elaborados, complexos e cansativos que se pudesse imaginar naquele tempo.

Na verdade tratava-se do 1º curso de Comandantes de Companhia, pelo que tudo aquilo era novidade.

Foram recrutados para testes cerca de 200 cadetes. Foram apurados 38. Entre eles este, o capitão que vos calhou em sorte.

Após mais 3 meses de formação como cadete de 2º ciclo, uma formação mais cuidadosa, ocorreu o célebre "Juramento de Bandeira".

Terminado o desfile na parada, preparava-me para ir para casa de fim de semana e esperar que me colocassem numa qualquer unidade como alferes, para posteriormente ser incorporado numa companhia. E isto porque até ali nunca acreditámos que aquele "Curso de Comandantes de Companhia" fizesse algum sentido e que nunca iria para a frente. A formação fora muito exigente, mas nada fazia prever que aquilo fosse verdade.

Azar o vosso.

Terminada a parada o comandante da EPI reuniu os 38 aprovados nos testes e sem qualquer explicação ditou seco, duro e breve: 

" Dentro de 15 dias os últimos 12 classificados do curso seguem para a Guiné e os restantes para Angola a fim de frequentarem um curso de formação militar em teatro de guerra!"

Eu tinha na altura 22 anos de idade e era o mais novo do grupo de 32 selecionados.

Resumo a partir daqui, porque pouco importará os pormenores e vicissitudes do meu estágio em Angola, que durou 4 meses. 

Ainda em Mafra:

Após o juramento de bandeira, deram-nos 15 dias para comprar fardamento e apresentar-nos no aeroporto para apanhar um avião da TAP às 2:30 da madrugada. Bem pelo escuro da noite para não dar nas vistas...

Fui parar aos Dembos, norte de Angola, onde a guerra estava mais acesa. Naturalmente porque era necessário testar o futuro capitão em ambiente quente. Só por curiosidade no dia que entrei na porta de armas da companhia onde fui estagiar saía um militar sem uma perna... Foi uma espécie de receção especial para o novo capitão...

Mas coisas até me correram bem.

Já agora, só para ficar a ideia do meu percurso militar.

6 meses cadete na EPI em Mafra; 

15 dias aspirante para comprar fardamento e levar as vacinas; 

4 meses alferes nos Dembos em Angola para formação em ambiente de guerra; 

7 meses em Mafra na EPI para um curso de administração militar e formação da Companhia em Évora, onde nos conhecemos e, por fim...

os 26,5 meses como capitão desde o momento em que entrámos no Vera Cruz até regressarmos em 1974.

Totalizei 1400 dias de tropa, 32,5 meses em Angola.

E esta foi a minha história, a história do capitão que vos calhou.

Explicações que são devidas e que julgo poderão eventualmente ainda explicar estranhas dúvidas que poderão ter ocorrido em alguns companheiros que faziam parte da C. Caç. 3441.

Tive uma enorme sorte, foi o que percebi no fim da nossa comissão, em ter feito o estágio na companhia dos Dembos e naquela companhia.

E porquê?

Tive um capitão de cavalaria, de nome Taxa Araújo, recentemente falecido, que me formou de forma profissional e entendeu bem aquilo que me esperava naquela guerra, de comandar uma companhia com 23 anos de idade.

A talhe de foice, fui ao tempo o capitão mais jovem do exército português, a par de um companheiro de curso e do agora coronel do quadro permanente Carlos Matos Gomes. Nada disso me honra, fica apenas a curiosidade.

Duas regras que me ensinou o capitão Taxa Araújo e que explicam muita coisa que nos ocorreu, coisas que acredito muitos não entenderam.

1- Disse-me: tu és um civil como os teus militares. Se não implementares na tua companhia a hierarquia militar, criarás um problema do qual nunca te irás safar. Nem tu, nem a tua companhia.

2- A guerra. Na guerra é assim; ou bates o mato deixando sinais da tua presença e dizes ao inimigo que estás ativo, ou eles "... vêm-te cagar à porta..." Esta foi a expressão dele.

Esta a explicação que devo aqui trazer e entendo mal apreendida pela companhia, especialmente pelos quadros de comando e a razão de tantas operações que vieram a exigir tanto sacrifício a todos vós.

O princípio era esse. Era necessário fazer sentir que a tropa ali estava ativa. Não sei se funcionou. Uma coisa sabemos. Não nos incomodaram.

Senti tudo isso. Mas quando percebi aquilo que o Estado me exigia fiz uma espécie de exigência a mim próprio:

- Os militares que me vão confiar não têm culpa do jovem capitão que lhes calhou. Mas eu vou fazer o melhor que souber para os trazer todos vivos e inteiros.

Quase conseguíamos isso ...

Todos os dias 10 de Junho vou a Belém abraçar o Gonçalves e o Ilídio e por ali me emociono e os recordo com o abraço que sempre lhes deixo. Fico junto dos nomes dos dois por largos minutos. É como se eles ali estivessem.

Duas curiosidades:

- Este vosso capitão era o oficial mais jovem da companhia e do batalhão... Todos os oficiais eram mais velhos. Como foi isto possível...?

- A companhia foi louvada a nível do batalhão e da Região Militar de Angola na pessoa do capitão. Acho que o merecemos.

Um grande abraço.

Ex-capitão Pedro Cabrita