O Dr. Lacerda deixou-nos. Partiu, inesperadamente, sem que
ele próprio o quisesse, para desgosto de todos nós e sem que eu tivesse tido
sequer oportunidade de me despedir. Ficou para sempre adiado aquele almoço que
em tempos combináramos para data a aprazar.
Um dia destes, disse.
Hoje, lamento amargamente não me ter decidido a combinar o
dia.
O Dr. Lacerda foi o médico que cuidou de todos nós no inferno da Neriquinha e não nos abandonou quando, já no sossego retemperador
das Mabubas, lambíamos as feridas da alma deixadas pelo isolamento das areias
quentes da savana do Cuando Cubango.
Não sei se, naqueles tempos conturbados, era assim para
todas as unidades militares; sei apenas que a 3441 tinha médico privativo. O então
Alferes Lacerda foi mandado para aquele inóspito lugar com a missão de zelar
pela saúde dos cerca de 140 homens da companhia e de toda a população dos
kimbos que existiam desde a Neriquinha até ao Chipundo.
E isso não era tarefa fácil. A malta, pouco habituada aos
rigores daquele clima hostil, era vulnerável às correspondentes maleitas de que
se destacavam a malária, alergias várias e fungos esquisitos, para além duma multiplicidade de
ameaças à saúde de cada um que impunham permanentes cuidados preventivos e a
atenção do Dr. Lacerda que ainda tinha de enfrentar as crendices ancestrais
daquele povo e competir com a influência, as mezinhas, as danças, as rezas e os
unguentos do curandeiro do Kimbo.
Fez tudo isso e ainda conseguiu ser amigo e companheiro.
É verdade, o nosso Dr. Lacerda, deixou-nos.
O Sporting perdeu um dos seus mais dilectos sócios; nós perdemos
um velho companheiro e amigo.
Descanse em paz.
Descanse em paz.